segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Brindes (alguns)

 
 


um brinde à solidão sem rivotril
um brinde aos amigos
um brinde ao prazer que não se compra
um brinde ao ser e ao ter

um brinde ao dar conta de dar conta
um brinde à vida
um brinde a todas as formas de poesia (entre elas, o amor)

UM BELO ANO NOVO A TODOS!


sábado, 29 de dezembro de 2012

Que corpo é esse?

 
Uma cena, entre milhares, talvez tenha passado despercebida. Talvez não. Afinal, o que é mais uma cena num mundo esgotado de cenas? Uma cena mais num cotidiano de cenas reeditadas? Por que parar pra prestar atenção numa cena, digamos diferente, logo em dezembro? Um mês que perdeu sua noção de tempo. Que não dá tempo nem para si mesmo. Um mês que já foi dezembro. E não serve mais como referência no calendário para a gentileza – por falta de tempo. Quando dezembro chega, não dá mais tempo para pequenos gestos de delicadeza. Mas o que ainda faz a gente olhar para o que passou?

Talvez esse olhar para trás seja mais um item da lista de fim de ano. Talvez sim. Rever o que passou. O que o acaso nos trouxe, mas não percebemos. O que foi perdido por descuido ou por excesso de cuidado. Rever o que queríamos muito, mas não o alcançamos. O que não nos coube. O que nos coube, mas não nos demos conta disso. Por medo. Por covardia. Por babaquice. Algo que aconteceu conosco, com o outro, no mundo, na vida, para o melhor, para o pior. Acontecimentos. Singelos ou não. Uns nos tocam mais – por quê? Outros gravíssimos não nos dizem muito – por quê?

Talvez seja mesmo mais um item da lista de fim de ano olhar para trás. Rever e rever. A propósito, temos tempo pra isso? Tempo pra ver novamente com olhos generosos o que passou? Ainda temos tempo para a generosidade? Espaço? Corpo?

Circulou nas redes sociais, durante os protestos dos indignados nas ruas de Madri, fotos de uma manifestante, só de calcinha. Uma mulher, numa multidão de indignados, usou seu próprio corpo como meio (instrumento) de manifestação política. Com que, no entanto, ela estaria indignada? Houve quem estranhasse… No cartaz que a mulher trazia consigo estava escrito: Love Revolution. Mais estranhamento e também curiosidade, despertada pela própria imagem da mulher e do amor nessa cena recortada.

Fotógrafos ao seu redor flagraram um espetáculo à parte: um corpo na multidão chamou atenção pela sua beleza e por algo mais, além da forma e para além da estética. O corpo que se desprendeu da massa de indignados trouxe um discurso que falava de amor. Mas por que o amor? Paz, liberdade, paixão também estavam escritos no cartaz. E por que esse corpo protestava por uma revolução do amor?

Não é comum um corpo de mulher na rua cuja nudez parece adormecida. Uma nudez sem os apelos eróticos com os quais estamos acostumados. Sem as caras e bocas da sedução forjada dos corpos que vendem mercadorias. Um corpo de mulher apenas. Um corpo despido, de verdade, na rua – teria sido este o espetáculo?

Um corpo sem a sensualidade fabricada com a qual identificamos hoje o corpo feminino. Um corpo cansado disso, talvez. Um corpo à espera, talvez. Um corpo destoante. Ingrato. Um corpo de mulher que pede amor, nessa altura? Mais do que isso, um corpo que protesta por uma revolução que comece por ele. Um corpo marginal?

Um corpo quase morto. Passivo? Feminino. Um corpo que talvez reivindique a gratuidade num mundo em que falta tempo e espaço para ela. Em um mundo quase exclusivo de mercadorias. De fetiches industrializados. Jean-Claude Guillebaud (autor de A tirania do prazer) disse certa vez que as conquistas na sexualidade, após a revolução sexual, foram apropriadas e recicladas pela sociedade do dinheiro que transformou o sexo em mercadoria. Em matéria de sexo, tudo é permitido e também pago, segundo Guillebaud.

De volta à imagem, o que parece pedir esse corpo de mulher? Amor como última estância da gratuidade, talvez. Do encontro não marcado, talvez. Amor que às vezes começa pelo olhar. Pela conversa dos sentidos, e se inscreve no corpo feminino e nele tece histórias. Amor para celebrar a vida erótica que passa pelo corpo. Amor vivido no corpo. Amor que cria camadas de narrativas no corpo da mulher. Amor que liberta. Amor que privatiza. Amor que recobre o corpo. Amor porque simplesmente se quer amar – por que não? É proibido? Por que esse corpo parece desejar o amor? E isso o torna enigmático?

Talvez seja mais um item da lista de fim de ano, olhar para trás e rever cenas inéditas.

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Viviane Campos Moreira
Publicado no  Amálgama
Também publicado no site Pragmatismo Político

Minha página no Amálgama: aqui

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Vermelho, dourado e verde



Muitos detestam esta data.
Alguns se inspiram nos natais de outros tempos e ficam mais afetuosos do que já são. Doam-se em lembrancinhas. Em bilhetinhos. Em cartinhas. Em SMS. Em beijinhos.
Outros quase viram manteiga derretida. Choram de saudade. Choram de alegria. Choram o choro silenciado durante o ano.
Muitos aproveitam as luzes natalinas pra prestar atenção em quem esteve presente, ainda que distante, nos momentos mais chatos. Alguém que não desistiu da gente quando a gente mesma não se aguentava mais.
E há quem não ligue para o dia 24 de dezembro porque esta data é só mais um dia de Natal – será?
Também há quem deseje que este dia desapareça do calendário – confesso que eu embora goste do Natal rogo praga quando caio num engarrafamento de dezembro! Ninguém é mesmo perfeito, não é? E nesta época defeitos são de menos.
Seja como for, é tempo de Natal.  
Tempo de dourado, vermelho e verde. Tempo de enfeitar a casa. De tocar em objetos que nos trazem de volta o sorriso de alguém que já se foi. Tempo de viver o Natal que se tem pra viver. Como a vida. Com edição caprichada dos melhores e piores momentos. Tempo de brindar o encontro. De partilhar o afeto que sobrevive a uma vida corrida demais. Tempo de sonhar. De suspirar pelo presente que pode ser diferente – por que não? Tempo de sabores. De revisitar amores vividos, mas não esgotados. Como diz aquela canção: “amores serão sempre amáveis”. Tempo de desejar. De sentir novamente na boca o gosto infantil das promessas. Tempo de parar. De não ter mais expectativas porque chegou o Natal. Mais um. Mais outro. Que seja.
É tempo do verde, do vermelho e do dourado.
 
***
Meus votos de um ótimo Natal a todos!

domingo, 16 de dezembro de 2012

GRAFITE


 
quem você pensa que é
pra me torturar sem nenhum glamour
com o que você pensa que eu penso sobre você
com o que você pensa que eu penso sobre nós
com o que você pensa que eu penso sobre o que eu não penso
com o que você pensa que eu penso mesmo quando eu não penso
 
quem você pensa que é
pra me devorar devagar, mas sem disfarce algum;
seu sedutor de segunda
seu sedutor de meia-tigela
seu sedutor de meia noite
seu sedutor de festim
 
você não é o George Clooney, meu bem
tampouco o velho bêbado da esquina;
o homem da barba encardida que fede, que cospe, que escarra
e fala sozinho dia e noite pra não esquecer que foi amado
 
quem você pensa que é
pra dosar sem cor, em conta-gotas, a música
que eu suspiro
que eu mereço
que eu preciso
que eu quero
 
quem você pensa que é
pra consumir em banho-maria, sem vergonha, sem humor
minha espera
minha agonia
minha entrega
minha confissão
 
você não é o Heinrich Blücher, meu bem
o titereiro anarquista que fez Hannah Arendt sorrir
- títere é o doido da padaria que esbraveja, que xinga, que se rasga
e suplica de volta a ternura da puta de seu delírio
 
quem você pensa que é?
Bentinho?
(e eu? Capitu?)
pobrezinho
 
 
 
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Viviane Campos Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS
Publicado em videbloguinho
 
*Peça de Acácia Azevedo - Blog

Mais: A CANÇÃO DO KEITH
 


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

tempo, tempo

Um vídeo com palestra de Maria Rita Kehl que fala sobre aceleração e depressão tocando numa questão "da hora": o tempo nosso que perdemos para o "tempo é dinheiro". Maria Rita citando Antonio Candido argumenta que o "tempo é o tecido das nossas vidas".

Vídeo aqui

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

novembro, novembro

É, novembro chegou sem novidade em relação ao tempo. Que tempo? Mas que tempo? Nem eu sei mais... Tempo pra voar? Tempo pra inventar moda? Tempo pra não fazer nada? Que tempo é esse que nos faz suspirar por ele? Ah, se eu tivesse tempo... Não é assim que dizemos pra gente mesma? Não ouvimos esta frase repetidas vezes? Que tempo é esse que nos escapa? E sobre o qual não temos mais a nossa medida?

Pois é! Assim que o tempo me der esse tempo, estarei de volta!

Até lá!

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

RECESSO



Informo que não haverá postagens novas no Balaio até 31/10/2012.

Assim que der, estarei de volta. Em um novembro mais calmo... Quem sabe, com tempo?

Até breve, breve!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A CANÇÃO DO KEITH

Keith Richards
 

 
 para Leo Machaka Batista

 
o cara da cara enrugada
com cara de madrugada
com cara de calça jeans surrada
com anel de caveira 
tem cara de quem foi mas voltou
de muitas loucas longas bad trips,
desenhadas na própria cara 
como se o tempo dele fosse um tempo
sem intermitências;
- it rocks, baby
o cara dos calos e dos penduricalhos
com a cara chupada me encarando,
- easy, baby 
é um homem sangrento
me dizendo: 
- that's my blues
 
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Viviane Campos Moreira

 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

PRÓXIMA ESTAÇÃO



para não para
não para não para não para
não para não
não para não para não para 
não não para não

que tempo 
é esse que 
não para 
pro 
amor?


eu pulo. bifurco
caio fora. dentro
entrego o jogo. na hora
trapaceio. viro a mesa


dou a última cartada:
minha palavra
cheia dolorida suja redonda:
palavrão


me salvo?

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Viviane C. Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS
Publicado em videbloguinho

*Peça de Acácia Azevedo

Mais: BURACO NA AGULHA

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A vida com poesia

Fabiano Calixto
Foto: Patrícia A. Corrêa


Para alguns, vida e poesia não se misturam. Para outros, vida e poesia são indissociáveis. E há quem vive a vida (ou pensa vivê-la) sem poesia. Como há quem só consegue vivê-la com poesia. Se a poesia não serve pra nada, em termos de utilidade, a que ela se presta, afinal?

O poeta e escritor Fabiano Calixto, autor dos livros de poesia Alguns, Fábrica, Música Possível, Sangüínea e Pão com Bife, entrevistado por mim no Amálgama, conta como a poesia entrou na sua vida, ressaltando que a linguagem vai muito além da palavra.

Acesse a entrevista aqui.


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Delicadeza


Para quem gosta de saber a moral da história, antes mesmo de ir ao cinema, aviso que esta pode ser a mensagem do filme A delicadeza do amor. Por que tantos parecem querer o amor? Por que poucos realmente o querem? O filme de David e Stéphane Foenkinos não explica, embora retrate com beleza, graça e encantamento a delicadeza do amor. Segundo os irmãos Foenkinos, o filme é “uma comédia romântica para os homens”.

Uma mulher que faz o luto de um grande amor comove-nos com sua dor. De amor. Dor de amor perdido. Um amor lhe fora tomado pela morte. Subitamente. O seu belo amor, seu marido, saiu de casa pra correr, bem disposto, em um dia como em outro qualquer. Mais tarde, ela recebeu um telefonema e imediatamente saiu de casa rumo ao hospital, onde seu amado respirava com a ajuda de aparelhos, morrendo logo depois. Assim, ela começou viver a dor do luto. Não hesitamos em acompanhá-la na sua dor. E com ela seguimos, lado a lado.

A atriz Audrey Tautou, que também foi Chanel e Amélie Poulain, empresta sua feminilidade à delicada e determinada Nathalie. A atriz que nos leva ao cinema para assistir ao drama da personagem Nathalie, mais uma vez conta uma boa história.

Vemos uma mulher fazer o luto do seu grande amor, sem se desviar da dor imposta pelo luto. Ela topa enfrentar essa dor. Não joga com a dor. Não se corrompe. É desejada por um homem, seu chefe, por quem não tem interesse algum, como mulher. É cortejada por esse homem a quem ela diz não desejá-lo. O que havia em Nathalie que teria feito esse homem apaixonar-se por ela? Seria o seu sofrimento? A dor da perda do seu amor? Esta dor teria acendido nesse homem o desejo de ser amado? Afinal, o que significava o sofrimento de Nathalie? Nem a secretária interessava ao chefe, mas somente a mulher que perdeu o seu amor, a sedutora Nathalie, tão arrebatadora quanto Yoko Ono, como ele diz.

E assim, Nathalie prossegue na sua promessa de partir a dor do luto, quando em um dia, um dia comum, mas não um dia qualquer, ela beija um desconhecido; um colega de trabalho que entra na sala do seu escritório. Um estranho. Um homem diferente. Estrangeiro. Ela o beija demoradamente. Um beijo com desejo. Ardente. Beijo que incendeia. Beijo de quem fantasia o beijo. Beijo de quem beija com o corpo e a alma. E… Ela não sabe por que fez isso. Sabe que fez. E fez. O homem que teve um superbeijo roubado não sabe por que foi beijado, mas sabe que foi – e como foi.

Qual o segredo desse beijo? Por que esse beijo mexeu tanto com o Markus? O homem que foi beijado à toa defende o mistério desse beijo. Não quer que o beijo seja tratado como assédio. Não quer saber desse papo de assédio. O que importa pra ele: o beijo de Nathalie.

Que nome dar ao que estava rolando entre eles, sem terem ainda um caso? (Eles sentiam a presença desse nome – uma visita que chegou sem avisar…) Que atração era essa de Nathalie pelo estrangeiro “feio e insignificante”? O que ele tinha que o chefe não tinha? Seria só atração o que despertava ciúmes e inveja nos amigos dela?

Enquanto o clima entre Nathalie e Markus provoca estranheza, eles deixam o amor chegar… Sem alarde. Sem as conveniências que propiciam o conforto de uma vida previsível. Sem a segurança que inspira um modelo de vida em que se pensa ter controle sobre ela. Sem o desperdício de tempo com o que não interessa ao amor. E de mansinho, o amor foi se instalando em cada um, embalado em presentes simbólicos, em confidências trocadas com sensibilidade, sinceridade e cumplicidade. Com a espontaneidade de quem se revela com toda a falta de jeito própria do amor inesperado.

Nathalie e Markus sentiram o amor chegar. Deram ao visitante uma terna acolhida. Tornaram-no hóspede. O amor, não raro, é dado pelo acaso. Pode acontecer quando menos se espera. Quando não se acredita mais que ele possa chegar. Quando se pensa já tê-lo vivido. Ele pode chegar estranho até. Mas o acaso não dispensa o amor da exigência. O amor é exigente. E faz suas exigências. Para uns, ele pode ser um exagero. Para outros, uma presença que exige delicadeza – amor, pois este é o nome.


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Publicado no Amálgama

Minha página no Amálgama: aqui

quarta-feira, 20 de junho de 2012

BURACO NA AGULHA












de vez em quando
vez em vez
quando se deixa ver, às vezes
se pode vê-la, raras vezes
se pode tocá-la de alguma maneira
quando se sente sua presença
em torno de tudo ou de nada
vez por outra
simplesmente no ar, desenviesada
por vezes de graça
a exigir uma boa acolhida
mesmo sem ter algo em vista, pois
decerto é uma pista;
a leveza que vem de dentro
ainda que a alma não seja leve
pode ser (que seja)
amor
- ou seu prenúncio – incerto
calor no inverno
vez ou outra


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Viviane Campos Moreira
Publicado no videbloguinho
Também publicado na revista Mucury n. 9

*Peça de Ma Ferreira – Blog.

Mais: SINOS DO POENTE



quarta-feira, 13 de junho de 2012

Qual é a sua história?


Isso mesmo: a sua história. Você tem a sua história para contar? Quem se interessa pela sua história, além do seu analista? Seus filhos? Seu marido? Namorido? Seu novo namorado? Quem se interessa pela história que fala de você e que você deseja contar? A sua própria história, contada por você? Com pausas. Cortes. Silêncios. Entrecortada por reticências. Medo. Falhas da memória – armadilha do tempo. Assaltada pelo estranhamento da falta de sentido em quase tudo. Pontuada de acasos que podem fazer algum sentido. Para quem?

Isso: você vai narrar. Não vou narrar sua história pra você. Não, sinto muito. Não posso. Pode começar contando sua história na primeira pessoa. Posso te ajudar. Começa pelo teu nome. É sim, nome é muito importante. O meu é importante. O seu também é. Alguém lhe deu o seu nome – houve uma escolha… Deve ter alguma razão pra você se chamar Aparecida. Deve haver algum motivo. Alguma pista? Tente lembrar…

Bom começo: Aparecida, porque sua mãe era devota da santa e seu pai, que não ligava a mínima para religião, gostou do nome Aparecida, projetando um futuro de muito brilho pra você, com direito a já nascer com nome artístico: Cidinha Pop Star, a diva das coxas grossas… (Com uma bela voz, muito gostosa e com algum talento, ela será uma Aparecida mais aparecida do que as outras aparecidas…) Assim, foi escolhido o seu nome. “Desse jeito”, você me diz.

Daí você não nasceu com coxas grossas nem com uma bela voz nem se tornou cantora, mas se arranjou na vida, sem brilhar nos palcos, sem virar beata, e você confessa que suas pernas são mais pra finas que pra grossas, porém, você é esguia e está na moda – pouca carne, como teu pai te chamava, carinhosamente – eu sei.

Pois bem. E o que mais? Ah você diz que tem mais para contar, mas não sabe se importa, ou se vale como história, porque você se virou como deu e a vida seguiu normal. E você me pergunta se o que me conta vale como história? Eu digo: vale. E você pensa que estou zombando de você porque sua história não tem graça alguma e nada tem de anormal – é o que você pensa. Aliás, sua história é “bem normalzinha”, você insiste. Repito: sua história vale. Isso. Vale o que vale. Para quem ela vale. Você não entende? Mais ou menos?

Então, sua vida seguiu normal… – esta é a história que você tem para contar? “Acho que sim”, você responde desconfiada. “Vale?” Digo: vale para quem ela vale. Não entende? Entende mas não gosta. Ah… Não sabe mais se quer contar a sua história… Mas se você não contar, quem vai contar?

E aí? Isso: respire. Profundamente. Ou nem tanto. Talvez baste uma respiração mais curta, aquela do cachorrinho, do yoga… Ohmmm… Respire. Como quiser ou der. O tempo muda. Sempre muda. Às vezes até troca as coisas de lugar. Depende da tempestade, sabe. Do vento que ela traz. Ou da pasmaceira, se for demais. Neste caso, o vento nem precisa ser forte. Mas acho que a vida é feita também de pasmaceiras. Algumas. Muitas. Depende. Não sei. O que você acha? Não sabe também. Difícil saber… Mas a sua vida não é sempre um mar de pasmaceira, é? Sabia que não. Nunca é feita de uma coisa só, a vida.

E a história? A sua história? Não sei se a sua história é a história da sua vida. Você sabe? Você acha que é a mesma coisa? A sua história é a história da sua vida? É isso? Você vai contar a sua história como a história da sua vida? Pode ser… Mas você ainda não sabe como contá-la? Não, não me peça isso. Não posso narrá-la. Disse isso no início, lembra? Eu disse. E você topou.

De todo modo, não sei se a história da gente é a história da vida da gente. Talvez não seja. Há o que fica pelo caminho. O que se perde ou o que se ganha nos sonhos. O que fica só na vontade… E um tanto que não fica em parte alguma. Puf! Há o que sobra e não era para sobrar. E o que não sobra, embora fosse apenas sobra. Há a parcela do que não fomos e do que poderíamos ter sido… Há um bocado de não-ser na narrativa… Isso: a narrativa que não se escreve sozinha, ainda que terceirizada. Acho que há um pouco ou bastante disso. Não sei. Eu acho sim. E você?

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Viviane Campos Moreira
Crônica publicada no Amálgama
Também publicada na revista  Semana Online Ed. 34/2012

*Cerâmica de Rita Scaldaferri Carneiro
Foto de Miguel Aun


terça-feira, 5 de junho de 2012

Festival Internacional de Teatro - FIT 2012

"A 11ª edição do FIT-BH, que será realizada entre os dias 9 e 24 de junho, propõe como tema uma reflexão sobre as fronteiras no teatro contemporâneo, sustentado em três bases conceituais: o intercâmbio do teatro com outras linguagens artísticas, o teatro em diálogo com o espaço urbano e a descentralização da produção teatral. Em 16 dias de programação, o FIT-BH apresenta 19 espetáculos internacionais, 12 nacionais e 10 locais, com 157 apresentações em aproximadamente 60 diferentes espaços, contemplando as nove regionais da cidade. Além dos espetáculos teatrais, o festival promove Atividades Especiais com ênfase em pesquisa, formação e compartilhamento e uma programação paralela que inclui shows musicais e performances no Ponto de Encontro. A novidade desta edição é O Cine-FIT, uma mostra com filmes que dialogam, de alguma forma, com o universo das artes cênicas, alguns deles inéditos em Belo Horizonte. Relacionando o teatro com as demais linguagens artísticas e com as inúmeras possibilidades de apropriação coletiva do espaço público, o FIT-BH cumpre o seu papel de aliar qualidade e diversidade de programação e se consolida como um dos maiores festivais de teatro do país e um dos cinco principais da América Latina." * (Fonte: site FIT 2012) ** Programação: aqui.

domingo, 20 de maio de 2012

Mentiras & Verdades

Estes foram os temas principais do debate com Ana Maria Machado e Edney Silvestre, com mediação de Leo Cunha, no Café Literário realizado ontem na Bienal do Livro no Expominas - Belo Horizonte. Que mentiras interessam na criação de um romance? Ana Maria Machado disse que as mentiras que ela inventa para escrever nascem da memória, da imaginação e as que não vêm da memória podem ser objeto de pesquisa -"a pesquisa serve para mentir melhor" - e citou a obra Invenção e memória de Lygia Fagundes Telles. Indagados sobre a escolha dos nomes dos personagens de seus romances, Ana Maria Machado disse que a questão dos nomes é importante, porém, a escolha não é consciente. Edney Silvestre contou que havia um personagem que ele tinha "dado" um nome para ele, mas o personagem "se" escrevia com outro nome e insistia no "seu" nome. Sempre que ele escrevia o nome do personagem, ele pensava no nome que ele queria dar ao personagem, mas escrevia o nome que o personagem queria, e não o que ele havia pensado em lhe dar. Então, ele acabou cedendo à vontade do personagem, aceitando o nome que o próprio personagem se deu. Sobre a criação do romance, Edney Silvestre disse que em um de seus romances, ele tinha a história, mas não tinha ainda "a voz". E enquanto estava escrevendo o romance, ele o guardou - não o mostrou a ninguém. Revelou que quando está escrevendo, não mostra nada a ninguém. O romance fica guardado. É uma pausa, segundo ele, para reescrever. Ana Maria Machado comentou que o romancista não tem a obrigação de escrever e fechar a “matéria” - como tem, por exemplo, o jornalista - porque não há horário a cumprir. Assim, ele pode deixar o romance descansar. Quando ela começou a escrever, na época dela, não havia a facilidade que hoje há com os blogs, que proporcionam contato com os leitores - ela guardou durante nove anos seus textos. Ana Maria Machado ressaltou que o livro só começa a existir quando há “a voz” ou o esqueleto único (estrutura) para se contar a história. Isso tem a ver com a estrutura da narrativa – mais do ângulo da linguagem, explicou. Deu exemplos: a história será contada na primeira pessoa ou na terceira pessoa? Como a narrativa será arrumada? Disse que há romances que ela escreveu seguindo uma estrutura espiralada – havia um núcleo e a narrativa foi-se alargando, indo além desse núcleo; em outros, a estrutura foi pendular – a narrativa ia de um núcleo a outro. Quanto à história, Edney Silvestre disse que quando escreve um romance, ele tem a trama, mas não tem a história. E que esta vai sendo escrita pelas personagens que vão vivendo as coisas no momento mesmo em que estão vivendo, e assim vão escrevendo sua história. Ana Maria Machado destacou que as personagens têm vida própria. Um protagonista pode deixar de sê-lo, se outro personagem roubar-lhe o lugar. ***O Café Literário tem curadoria de Afonso Borges – do projeto Sempre um Papo.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Bienal do Livro em BH

Começou hoje, no Expominas, a 3ª edição da Bienal do Livro de Minas que tem como homenageados: Bartolomeu Campos de Queirós e Carlos Drummond de Andrade. Em homenagem a Bartolomeu C. de Queirós, a Bibiloteca Mirim Bartolomeu Campos de Queirós, onde se encontram "centenas de títulos para leitores visitantes". E o escritor também será homenageado em sessão no Café Literário que tem como curador, Afonso Borges, do projeto Sempre um Papo. Já o "aniversário de 110 anos de Carlos Drummond de Andrade será tema de homenagens pela Bienal. A Praça de Poesia Carlos Drummond de Andrade será palco para recitais diários e contará com a leitura de escritores e apaixonados de sua obra". "A organização desta Bienal aposta no público infanto-juvenil - para que a Bienal possa ser uma porta de entrada para a leitura". ***(Fonte: site da Bienal.) *** São convidados do Café Literário, entre outros: Ana Maria Machado e Edney Silvestre no papo "Romance: Criação, Verdade e Mentira"; Carpinejar e Roberto Pompeu de Toledo no papo "Poesia não é um detalhe, mas o detalhe"; Zuenir Ventura e Mary del Priore no papo "Reportagem e Memória"; Eliane Brum e Juan Pablo Villalobos no papo "Reportagem e Ficção; Fabrício Corsaletti e Humberto Werneck no papo "Contos e Crônicas". Programação do Café Literário: aqui.

sábado, 5 de maio de 2012

STJ e dano moral por abandono paterno

No comentário que eu fiz no Facebook sobre esta decisão do STJ (ministra relatora Nancy Andrighi) que condenou o pai a indenizar a filha em R$ 200 mil por danos morais decorrentes de abandono paterno, disse que o primeiro a defender isso foi o Rodrigo da Cunha Pereira - presidente do IBDFAM e advogado em Minas, em uma ação que chegou ao STJ, mas a turma que julgou o recurso, na ocasião, negou o direito a indenização por dano moral ao filho. Na decisão desta semana, outra turma do STJ, partilhando outro entendimento sobre a mesma matéria, deu provimento ao recurso, reconhecendo o direito de indenização por dano moral à filha por ter sido abandonada pelo pai (em uma ação proposta em São Paulo).

Pelo que venho percebendo nas conversas, há um estranhamento em relação a esta decisão baseada no significado da palavra afeto - o que é afeto? Afeto é dar carinho? Afeto é ter sentimento? É gostar? É ter amor para dar e querer dá-lo? Mas e se o pai não quiser dar amor, talvez por não tê-lo, ele terá que indenizar o filho por não ter o amor que o filho quer receber dele? E se ele for processado, então ele paga o valor da condenação e fica tudo resolvido? Ele não deu amor nem vai dar, paga a indenização, e tudo certo? Isso significa cobrar afeto, em dinheiro? E que valor (monetário) teria então o afeto?

Não são perguntas descabidas. Mas penso que temos que contextualizar esta decisão do STJ em uma sociedade (como a nossa) fortemente marcada pela queda da função paterna. E penso que a definição de afeto encontra-se atrelada ao exercício da função paterna. Vai além do sentimento. Além do amor. Implica uma função: ser pai. Pai que cumpre a função paterna. Pai capaz de afetar o filho com o seu afeto. Afetar o filho na construção da sua subjetividade. O pai tem um papel fundamental e estruturante na subjetividade do filho. Ele, em tese, que instaura a Lei simbólica (Lacan). Ele é o terceiro interventor na relação mãe-e-filho. Por isso, a sua lei tem o seu nome - o Nome do Pai (Lacan). E é esta interdição que possibilita a separação do filho do desejo da mãe e o introduz na ordem do desejo "que vem da falta". Possibilita que o filho se torne sujeito desejante; torne-se capaz de ser ele mesmo seguindo o seu desejo, e não o desejo da mãe.

O afeto, segundo o advogado Rodrigo da Cunha Pereira*, tem valor jurídico e "sua negação deve ser punida" porque há uma perda enorme para a sociedade quando a função paterna está em baixa, ou seja, quando o pai não está cumprindo sua função - quando o pai não quer ser o Pai; quando o pai deixa de afetar o filho na sua subjetividade. Nesse sentido, devemos entender o afeto do pai: capaz de afetar. É mais que sentimento. Muito mais que dar carinho. E só o dinheiro da pensão alimentícia não basta porque não supre esta ausência.

Quanto ao valor da indenização, esta é uma questão do próprio dano moral. Não há como medir a dor de cada um. A dor é uma das experiências mais privadas do ser humano - remete à singularidade. A indenização por dano moral ainda que tenha essa complexidade no sentido de dar um valor à dor, ao sofrimento, possui uma função pedagógica importante. Serve para responsabilizar.

O filme O garoto da bicicleta ilustra bem a falta da função paterna. Conta a história de Cyril, um garoto de 12 anos, à procura do pai que não quer saber dele. Trailer: aqui.


*(Sobre afeto=valor jurídico. Fonte: Caderno Gerais - p. 21 - Estado de Minas de 4/5/12)

segunda-feira, 30 de abril de 2012

STF e antecipação parto feto anencefálico

Bastante atrasada esta postagem - aproveito para me desculpar. Todos puderam acompanhar (e creio que acompanharam) os votos dos ministros do STF sobre a antecipação do parto nos casos de gravidez de feto anencefálico. Pelo Código Penal, de 1940, o aborto cometido pela gestante ou provocado por terceiro é crime. São dois tipos penais previstos nos arts. 124 (gestante) e 125 e 126 (por terceiro). Nas cláusulas excludentes de ilicitude - hipóteses em que o aborto deixa de ser crime - não há expressamente a previsão para os casos de gravidez de feto anencefálico. Para alguns doutrinadores, estes casos se enquadrariam no inciso I do art. 128 do C.P., uma vez que o Código Penal é de 1940 e, nesta época, ainda não havia exames como o ultrassom pelo qual se pode constatar a anencefalia. Assim, esta hipótese poderia se enquadrar na excludente de ilicitude do inciso I do art. 128 do referido código - "aborto necessário". Para outros doutrinadores, no entanto, a interrupção da gravidez de feto anencefálico não caracteriza aborto porque não há sequer potencialidade de vida extrauterina quando há anencefalia. Assim, seria um fato atípico. Não seria, portanto, crime de aborto, pois não haveria, no caso, "vida do ser humano em formação" por causa da própria anencefalia. O voto do ministro relator Marco Aurélio de Mello se baseou na atipicidade. Muitos tribunais já vinham autorizando a interrupção da gravidez de fetos anencefálicos. Teses muito interessantes foram apresentadas. E a sustentação oral do Luís Roberto Barroso foi um show à parte - um belo discurso mais uma bela fundamentação. Acesse aqui.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

SINOS DO POENTE




a nossa distância vem de longe
vem de dentro do meu espanto
de menina estrangeira nas coisas do mundo e
desperta do sono de alegria dos anjos


do meu tecido opaco de filha
brotou a miragem ofuscante do ser
que não me deram; porção
minha que tanto busquei; abismo


burilado na cadência da estranheza; enleio
quimérico da dor pungente e luminosa
de não ser a outra da espera do outro
entretanto, ficamos ternos e


exilados pelo tempo e próximos
pelo o que não fomos; irmãos
no sobressalto ávido do destino
que corta nossas carnes


impiedosamente

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Viviane Campos Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS
Postado no videbloguinho

*Peça de Acácia Azevedo - Blog

Mais: VÊNUS DE BATOM VERMELHO

terça-feira, 27 de março de 2012

Em Curitiba



No próximo fim de semana, o espetáculo Em algum lugar do grupo de teatro In-cena (Minas).

Mais sobre o espetáculo: aqui.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Separados, enfim


 
Não, eles não se entendiam mais. Falavam ao mesmo tempo. Juntos. A fala de um atropelava a do outro. A pausa para a escuta tinha dado lugar ao silêncio do ressentimento. O silêncio do naufrágio. Algo havia escapado deles irremediavelmente. Em algum lugar, em algum ponto – entre eles. Algo além do amor. Além deles mesmos. Algo que aparentemente não era motivo para um divórcio. Não era razoável.

Simin, a mulher, desejava um mundo novo. Um outro país onde pudessem viver uma outra vida. Diferente. Um outro tempo. O futuro. Nader, o marido, não podia deixar seu país, naquele momento, e abandonar seu pai doente. Simin pressionava Nader. Acusava-o. Dizia que o pai doente era uma desculpa para ele não enfrentar o desafio de uma vida nova, talvez. Para ele, aquela não era a hora de se separar do pai. Não era certo. Nader acusava Simin de desistir fácil dos problemas. Desejo? Fuga? Desculpa? Decência? Tempo de impasse.

O pai de Nader estava com Alzheimer e, quando Simin sai de casa, Nader passa a cuidar do pai doente, da filha de onze anos, da casa, mesmo não apostando na decisão da mulher, sobretudo na sua determinação. Ele acreditava na volta de Simin. Numa reconciliação?

Com a vida e a casa em desordem, Nader assume a responsabilidade e as tarefas que antes eram da mulher. Não se sai bem. Atrapalha-se. Exaspera-se. Perde o controle, mas resgata com o pai doente uma intimidade estranha. O corpo do pai doente não era o mesmo corpo do seu pai, mas um outro. Um corpo fragilizado de um homem doente no corpo do pai amado. Dois tempos. Passado. Presente. Quando Nader cuida do corpo do pai doente, ele se depara dolorosamente com o seu amor pelo pai. E reencontra, na sua impotência em relação à doença do pai, o seu amor ao pai. Dando banho no pai, ele redescobre a medida do seu amor. O corpo do pai permanece o corpo amado, com as marcas do tempo e da história de afeto entre pai e filho. O corpo amado do pai. O corpo do filho no corpo do pai. Este é um momento duro de cumplicidade amorosa entre filho e pai – alheio ao afeto de Nader pela mulher e pela filha. É uma outra história de afeto que passa pelo corpo. Desculpa? Decência? Afeto vivido na carne. Sem tempo para reprises. Tempo de despedida.

Nader acalma a filha dizendo-lhe que a mãe voltaria. Inverdade? Esperança? A filha tenta reconciliar os pais, ora conversando com um, ora com outro – no fundo, tentando entender quem tinha razão? O divórcio se confirmando, ela teria que ficar com um dos dois. Dores da separação. Onde os pais se perderam no casamento? Por que o divórcio? Não é assim racional como parece. A filha descobre isso. Três tempos. Passado. Presente. Futuro. Tempo de crescer.

Este pode ser o roteiro de muitas separações. Talvez por isso nos identifiquemos tanto com o drama de Nader e Simin – personagens do filme iraniano A Separação. Tão distantes e tão próximos de nós vivendo o momento da separação. O fim. O início de um novo tempo. Tempo de reinvenção.

Não foi muito diferente com a personagem Isadora, do romance Canteiros de Saturno, de Ana Maria Machado. Depois de conquistar seu próprio tempo, Isadora alcança o nome do seu casamento: vazio. E se assusta: “Quando pensou nisso, se assustou com a palavra vazio. Mais uma vez, essa deformação profissional. Não podia impedir, trabalhava com isso, sua função era analisar textos, ver o que eles escondiam e o que revelavam. E nunca antes tinha percebido que seu casamento podia ser descrito com a palavra vazio. Um sentido tão cheio.” Depois de descobrir a palavra que nomeava seu casamento, Isadora divaga: “Podia escolher o vazio, pensou. Agora, consciente. Sabendo que era vazio. Mas que era o preço a pagar para manter os filhos assim, tranquilos, docemente adormecidos, sem pesadelos, nem choros, nem sofrimentos. Ao lado do pai e da mãe. Sem dilaceramentos. Talvez não fosse um preço alto. Não estava apaixonada pelo marido, não vivia nenhuma dessas histórias de que sempre ouvira falar e que transformam um casamento num inferno. Não chegava nem a ser um purgatório. Apenas uma vida terrena, com os desgastes corriqueiros e o distanciamento crescente.”

Tempo de coragem. Desejo encoberto na trama de meias-verdades. Preso na rede voraz do tempo. Em algum momento, ele fala mais alto. Hora da verdade. Não há culpa. Há o desejo. Difícil de negar. Difícil de negociar. Tempo: presente.


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Viviane Campos Moreira.
Publicado no Amálgama.

sábado, 17 de março de 2012

VÊNUS DE BATOM VERMELHO




olhar de seda
língua de cetim
sorriso de bicho do mato
pele de nectarina na primavera

cachos da cor de milho
cheiro de capim-santo
beijo de canela-da-índia
quitute de amora-silvestre

moleque

pareces um passarinho
com folguedos e artes de menino
em busca do amor de um flamboyant
eu te quero solto assim

não te repreendo
se me perco toda em cada gesto teu
se me refaço inteira no teu desejo
se me capturo outra nas tuas narinas felinas

não vês o que sinto?
se vês, não sentes, pois não dizes
se não dizes, me maltratas
me corrompes

por que não revelas a mim o meu amor em ti?
não escutas em mim as ressonâncias da tua mudez?
embaraçada fico nesse laço
- torvelinho de mistérios, bordado de nós

ah, pintassilgo do meu tormento…


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Viviane Campos Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS.
Poema da série PRIMAVERA NO AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS

Postado no videbloguinho

*Peça de Ma Ferreira - Blog.

Mais: ESTAÇÃO PRIMAVERA.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Poesia em cena



Uma proposta do grupo de teatro mineiro In-cena no espetáculo Em algum lugar em que o roteiro dá lugar privilegiado à poesia. E quem disse que não há poesia no silêncio? No incômodo entre o passado e o presente? No confronto do que foi perdido e do que não se foi? Nas reticências do tempo...


* * *


Montagem: definindo como base o surrealismo, a proposta da peça segue uma linha experimental ao mesmo tempo dialogando com várias formas de interpretação, não priorizando em seu trabalho busca estética ou qualquer bairrismo com a forma de dialogar com a plateia. Também não deixando de pontuar junto ao texto poesias de Clarice Lispector, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade que enriquecem a obra e foi material fundamental de pesquisa para a construção da peça.

Com uma ideia atemporal, o jogo teatral se dá através de uma fragmentação tanto na linha textual quanto na cena propriamente dita, usando do silêncio que permeia toda a ação e que serve da dança contemporânea (marca dos trabalhos do Grupo In-cena), proporcionando ao espectador liberdade de várias percepções de uma única ideia, não se prendendo a contexto ou a qualquer outra forma, além do processo construtivo, deixando em aberto todo o trabalho de experimentação/construção de entendimento do que se quer mostrar, acentuando livremente o jogo entre plateia e atrizes.

Sinopse: duas atrizes em cena, num ambiente particular, onde cada uma vive suas dores ao mesmo tempo em que questionam a influência da outra em suas escolhas. Um reencontro onde se deparam com o maior inimigo do ser humano: ele mesmo! E nesse momento, elas travam uma busca entre a memória do que ficou no passado e a possibilidade de conviver com algo/alguém que já não se conhece mais... Elas se confundem com possibilidades do passado e vivem à espera de alguém que pode ou não chegar e que acreditam, ou não, que esteja EM ALGUM LUGAR! Dentro de um universo onde dor e amargura se encontram, o maior confronto pode acontecer a qualquer momento, revelando assim facetas que ficaram perdidas EM ALGUM LUGAR...


O espetáculo Em algum lugar estará em cartaz em Curitiba (PR) nos dias 30/3/12 e 1/4/12 no Espaço Cult.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

ESTAÇÃO PRIMAVERA





com lírios do campo perfumei nosso quarto e
com lençóis brancos de algodão
vesti nossa cama e

com fios de mel cobri minha pele
para o seu desejo arder em mim
sem dissolver o meu

despertei meu ser do sono dos vencidos e
de todos os pretéritos e confissões perdidas
em algum lugar

além de mim
posso senti-lo vivo e
encoberto por rasos segredos

em algum estranho tecido
ele se faz em mim
onde nem eu mesma sei

presença sutil em meu semblante de mulher
a espera pulula em mim
não mais dispersa e

não mais distante e sem agonia
meu corpo matura minha alma
no plácido abrigo da lua nova
                                           


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Viviane Campos Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS
Poema da série PRIMAVERA NO AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS

Postado no videbloguinho

*Peça de Acácia Azevedo - Blog

Mais: PRESENTE DA PRIMAVERA

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O mistério da crônica


Felipe Peixoto Braga Netto.


Entrevista que eu fiz com o Felipe Peixoto Braga Netto no site Amálgama.

Um papo muito interessante sobre crônica. Sobre a "falta de mistério" da crônica. A entrevista não é uma receita para escrever bem - claro que não. É uma conversa sobre este gênero bem brasileiro, sobre o despertar do Felipe para a escrita de crônicas - não é curioso que um autor escolha um determinado gênero literário? Por que crônica e não poesia, por exemplo? Como se explica essa escolha?

Felipe conta pra gente como elegeu a crônica como seu gênero. Fala também sobre a importância da leitura - as influências do leitor no autor -, sobre o olhar observador de quem escreve. E muito mais...

Felipe é autor de várias obras de Direito e do livro de crônicas "As coisas simpáticas da vida".

Acesse a entrevista aqui.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A culpa é do Facebook!

Embora a culpa esteja em baixa, se é que ela sobrevive ainda ao jogo do empurra-empurra, melhor réu não há pra ser julgado culpado do que o Facebook. Ele é o culpado por nos distrair nas migalhas de tempo livre que nos sobra. Nos minutos em que não temos nada pra fazer, ou nos intervalos do corre-corre pra lá, pra cá, entre responsabilidades, prazos e afazeres domésticos, ou no estresse dos engarrafamentos, do liga-e-liga-de-novo-e-mais-uma-vez para celulares fora de área, ou desligados, ah! entre sessões de fisioterapia, acupuntura, massagem, pilates… e na tortura da fila de espera para marcação de consultas médicas – “Horário com o doutor, só pra daqui a três meses e olhe lá! Nem encaixe mais dá pra fazer!” E, no meio de tudo isso, ou antes disso tudo, ou no final, o que há?

Teclas sob o comando de nossas mãos. Cliques ou toques aqui, ali, e janelas são abertas. Abra-te Sésamo e… aparece o Facebook, com imagens e mais imagens e frases e mais frases. Algumas mirabolantes, atribuídas a autores que não disseram o que dizem que eles disseram. Risos de nervoso, diante da impossibilidade de tal autor ter expressado aquele pensamento, com aquela linguagem, porque aquele autor viveu em outra época, bem diferente desta da internet. Sorte a dele? Nem sei. Mas, no Facebook, grandes escritores estão bem vivos e vivendo uma vida extra – muito além da que eles viveram. Drummond, Clarice, Fernando Pessoa – imaginem! – dão conselhos no Facebook. Logo eles que jamais deram dicas sobre como viver bem. Eles apenas fizeram literatura. E da boa.

O velho hábito de procurar o culpado… E vamos tocando o barco. Ou melhor, ajustando a cadeira à tecnologia, o corpo à tecnologia, a visão à tecnologia, o tato à tecnologia, a concentração à tecnologia, a curiosidade à tecnologia e, assim, nos encontramos no Facebook.

Como é gostoso ver os amigos, sobretudo os mais durões, se renderem ao Facebook. A cada dia, um se rende, e o mais divertido é ler depois no status: “Atendendo a pedidos, tou no Facebook!” Ou: “Tive que entrar no Facebook. Paciência!” E: “Já que todos os meus amigos estão no Facebook, eu não serei o único a ficar de fora!” Como se fosse uma fuga em comboio, da noite pro dia, para um lugar diferente. Sem falar nos rendidos contrariadíssimos: “Olá! Add o mais novo babaca, por favor!” E há muitos como eu que decidem entrar no Facebook por causa de um amigo que, afetuosamente, nos convence sobre as suas vantagens como mídia social – seria esta a minha justificativa, a propósito?

Entre frases e frases, uma eu curti muito: “A inveja tem Facebook!” Achei esta genial – como está na moda dizer. Depois, pensei: como você é marinheira de primeira viagem. Ora, claro que a inveja tem Facebook! Imagina se a inveja não teria Facebook. Como não? Ela não só teria como não seria a última a ter, sua boba. Talvez ela tenha sido a primeira a tê-lo. E muito empolgada, acabou se tornando sua parceira.

Seria a tal “inveja boa”? Confesso que eu não faço a mínima ideia do que seja, ou possa ser, inveja boa, mas também me pego dizendo, vez por outra: é inveja boa! Pois é ela, a inveja boa, que faz a gente olhar, sem querer, o que fulano, beltrano, sicrano fizeram ou andam fazendo no Facebook. Vemos o que todo mundo faz porque se está lá é pra gente ver quem curtiu o quê, quem comentou o quê – é pra ver, entendeu? Sim, Sra. inveja boa, eu entendi, perfeitamente.

E a famosa curiosidade feminina, a vilã dos conflitos entre mulheres e homens? A eterna culpa de Eva? É muito interessante ver que os homens são, no Facebook, tão curiosos como as mulheres. E igualmente curiosos. Curtem coisas que, antes, só as mulheres curtiam, ou diziam que curtiam. No Facebook, homens e mulheres se parecem bastante e curtem muito as mesmas coisas. Os mesmos lugares. Os mesmos livros. Os mesmos times. Os mesmos músicos. As mesmas divas. Os mesmos poetas. Os mesmos estilistas. As mesmas grifes. As mesmas baladas. As mesmas cenas de cinema. As mesmas pizzarias. E o melhor, nem sei, os mesmos sabores de pizza! Quem sabe? Coisas do mundo mágico do Facebook. Dá pra entender por que o Facebook tem sido apontado como o pivô de separações e divórcios?

Lembrou-me a personagem Anna, do filme A culpa é do Fidel, uma francesinha bem adaptada ao seu mundo burguês, que não queria saber dos ideais dos pais. E quando sua babá cubana lhe diz que todas as mudanças que estavam acontecendo eram por causa do Fidel, a garotinha de nove anos de idade conclui que o culpado pelo seu mal-estar era o Fidel. Ela, que temia conhecer a causa pela qual os pais lutavam, interpreta a fala da empregada como verdade, e vendo, a certa distância, o que se passava ao seu redor, sem, no entanto, se envolver, defende-se do engajamento dos pais. Assim, ela não compreende a luta deles, sobretudo os princípios e os direitos por que lutavam.

Momentos. Revelações. Surpresas. Fotos de velhos amigos que não vimos mais, nunca mais, mas nunca mais mesmo e, de repente, nos achamos no Facebook! É. O Facebook também tem disso. E, curiosamente, há o #prontofaleifaleifaleimesmoedaí? Quando alguém manda um recadinho para outro alguém, que não conhecemos, mas supomos que, para aquela frase, há um destinatário de carne e osso, embora anônimo – assim, a carapuça pode servir para uma montanha de gente? Nunca se sabe.


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Viviane Campos Moreira
Crônica publicada no Amálgama.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS 2012





Esta história começou comigo, Fernanda, Luska e Vânia falando do amor – dos nossos pedaços de amor. Inventados. Vividos. Sonhados. Porque desejávamos falar dele, do amor. Do nosso arrebatamento. Atrevimento. Do modo como o sentimos?

Amor que não se explica. Mas o amor é só um nome, entre tantos? Acreditamos que não. Românticas? Excêntricas? Inadequadas? Engraçadas? Dramáticas? Curiosas. O amor nos chamou e nós o seguimos. Nos perdemos? Nos redescobrimos? Sobrevivemos.

Desejo. Tédio. Raiva. Medo. Ilusão. Frustração. Solidão. Fantasias. Devaneios. Amor demais. Amor de menos. Ou simplesmente amor? Amor em pedaços.

Daí o amor chamou a Marina. Depois o Fernando… E agora, a Aninha e também o Bruno. Vieram todos. A vontade do amor foi atendida. E também os seus apelos e caprichos.

O AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS* está de volta com um poema novo toda sexta-feira no videbloguinho. Contamos também com a colaboração de Ma Ferreira e Acácia Azevedo – com imagens de suas peças de cerâmica que enfeitam nossos poemas.

Venha com a gente. Pode sangrar, doer ou ser divertido!


*Idealizadora e coordenadora: Viviane Campos Moreira.