terça-feira, 29 de junho de 2010

Temporão, a Lei Seca e o pai

O ministro da Saúde José Gomes Temporão, comentando sobre os dois anos de vigência da Lei Seca (Lei n. 11.705 de 19 de junho de 2008), disse que a sociedade brasileira, quando a lei foi criada, “precisava de um pai e este surgiu na figura da lei”. O comentário do ministro sobre a necessidade de criação da referida lei confirma reflexões e estudos sobre a questão do pai na atualidade. Fala-se em crise, declínio e ausência da função paterna. Fala-se também em crise de autoridade dentro e fora das fronteiras do espaço doméstico. O que significa criar uma lei quando a sociedade precisa de um “pai”?

Segundo Lacan, o pai tem uma função simbólica na constituição do sujeito. O pai é o terceiro que intervém na relação mãe-filho e no amor da mãe pelo filho e do filho pela mãe. Entre mãe e filho o amor é “perfeito”, supostamente completo. O ditado “coração de mãe sempre cabe mais um” não serve para o pai. Este é um estranho na “díade mãe-filho”. Estrangeiro. É um terceiro na relação com a função de “barrar” a completude do amor entre mãe e filho e salvar ambos dos perigos desse amor “perfeito”.

Amor e perfeição não combinam – mas por que tanto a buscamos no encontro amoroso? Todos nascemos e somos filhos de um amor “perfeito” que nos engana com a ilusão de completude. Onde não falta nada é preciso intervir. Nem mesmo o amor materno pode escapar da imperfeição, da falha, da falta – condição de todo ser humano. É preciso pontuar o amor que se pretende perfeito: o nosso primeiro amor, imperfeito em suas medidas. É preciso que nele falte algo. O pai, ou um outro que faça a intervenção, ensina ao filho e à mãe que não há completude nem mesmo no primeiro amor. Todos somos filhos da incompletude. Assim, esse pai instaura uma outra ordem na relação mãe-filho. Pela Lei do Pai, o filho pode se libertar do desejo da mãe e separar o seu desejo do desejo de sua mãe. O filho pode se constituir desejante e se responsabilizar pelo seu desejo – “desejo que vem da falta”.

A frustração, liberdade e responsabilidade integram a separação que ocorre entre o filho e a mãe. O filho apartado do desejo da mãe pode assumir o próprio desejo. Desloca-se, portanto, para a posição de sujeito desejante. Quem deseja tem que bancar o desejo. Tem que pagar pra ver. Pra ser. Para se tornar algo a partir do que se deseja. Pra viver bem com o que falta, pois “onde há falta, há desejo.” Poder se constituir sujeito desejante – não há nada mais gratificante para o ser humano. Poder ser iluminado pelo desejo, não temer sua luminosidade e deixar-se iluminar.

Com a Lei do Pai, temos que aceitar a incompletude. E quando a Lei é simbolizada como interdição isso é bom para a sociedade, pois “o pacto edípico garante o pacto social”. (Hélio Pellegrino: Pacto social e pacto edípico.) O sujeito desejante e bem instruído na frustração, liberdade e responsabilidade pode se tornar um indivíduo que respeita o outro, as convenções, os contratos, os costumes, a lei. Salvo da ilusão de completude e dando conta da sua incompletude ele é inserido na cultura aprendendo sublimar suas frustrações e desviar sua agressividade – podendo direcioná-la, por exemplo, para alguma atividade artística, intelectual ou outra que o recompense. Assim, ele é bem instruído no amor que também frustra. Perfeito. Está pronto para o exercício da alteridade, tornando-se capaz de suportar as restrições impostas pela vida em sociedade e pela cultura.

Quando uma lei é criada por causa da ausência da função paterna, significa dizer que há uma falha na transmissão das proibições no âmbito das relações entre pais e filhos. As restrições operam-se no inconsciente, na infância, quando o pai, ou um outro que o represente, as introduz e a criança registra internamente a obediência e a submissão à autoridade paterna. Assim, a criança aprende renunciar. Aprende que não é possível se satisfazer sempre. A criança é preparada para suportar a insatisfação.

Onde sobra satisfação, falta restrição. O direito tem um papel ordenador muito maior em uma sociedade que sofre com a falta de boa educação, com a deficiência no recalcamento das proibições. Quando é preciso criar uma lei porque falta o “pai”, invoca-se o direito para responsabilizar – há carência de interdição no âmbito da autonomia privada. O direito passa a ser invocado cada vez mais para regular a falta do “pai”.

Nesses dois anos de vigência da Lei Seca podemos comemorar sua eficácia na redução dos índices de mortes no trânsito. Não devemos, no entanto, nos orgulhar com o que há por trás das estatísticas. Liberdade, responsabilidade, educação e cultura entrelaçam-se entre a lei e o pai mais do que imaginamos.

Viviane Campos Moreira.
Artigo publicado no Amálgama

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segunda-feira, 28 de junho de 2010

AMOR EM FUGA


Eliane Maia*.
Foto: Miguel Aun.


o
sentir
pulsar
ressoa
preguiçoso
marcando
o compasso
de uma errante
renitente em despertar:






revelar-se

____________________________
Viviane Campos Moreira
em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS

*Modelagem com placas,
queima em alta temperatura.
Catálogo cedido por Liege Mendes.

Postado em videbloguinho

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sábado comprometido


Foto: Geraldo Magela.

Solteiras reclamaram que neste ano o Dia dos Namorados caiu bem no sábado. Não podia ser pior: estar sem namorado e não conseguir sequer uma mesa em um restaurante pra poder rir da solteirice aguda com as amigas. Pra rir das tentativas dos últimos romances... Da insistência em arrancar água de pedra em alguns casos - ah, sim! Rir de si mesma, com as amigas. Rir dos fracassos amorosos que, já se sabe, se repetem algumas vezes. Melhor data não há pra se encontrar com as amigas e rir - com champanhe, sem champanhe, vinho ou cerveja ou uma pinguinha, por que não? Afinal, não é sempre que se consegue reunir amigas dispostas a rir de si mesmas.

Casais queixaram-se: “Pra complicar, as filas estão enormes nos shoppings!” O namorado novo e indeciso pra escolher o presente, ainda sem saber como impressionar a nova namorada, pediu ajuda a uma amável vendedora - que roubada! O marido temendo dar à mulher o mesmo presente do ano passado - a essa altura só a secretária pra saber – irritado ficou com a impossibilidade de não localizar sua secretária a tempo, pois, se não conseguisse falar com ela, estaria ferrado! O pai acostumado a pedir às filhas pra comprar o presente da mãe - sua eterna namorada – esforçando-se pra escrever um cartão - claro, com a ajuda das filhas - ligou pro celular de uma que estava no trânsito, a caminho da festa junina do filho na escola:

"- Ah, papai, agora eu não tenho cabeça, tenho só ombro, pescoço e orelha pra segurar o celular e tou sem ideia. Acho que o João Victor, papai, não tá caipira, pelo menos não o suficiente, e vai rolar um concurso de garoto mais jeca! Fui ouvir a mamãe... Acho que ele tá muito arrumadinho e lindo como todos os dias. Como pode eu não conseguir deixar o meu filho jeca, papai? Não sei, não sei, liga pra Ju - ela é ótima em bilhetinhos de amor. Tenho que desligar, papai. Beijo."

E todo esse corre-corre justamente no sábado!

Ficantes vibraram que o Dia dos Namorados caiu exatamente no sábado. Diante do espelho, a garota se arrumava e pensava: - Quem arquitetou isso, só pode ter pensado em mim! À festinha na casa da Bia ele vai e lá quem sabe rola um namoro? Quem sabe... Da fase pegando já passamos, embora... Suspirou a garota diante do espelho.

E mais um dia em homenagem aos namorados - para solteiros, ficantes, namorados e casados. Uma data curiosa que incomoda. Estar sem ninguém no Dia dos Namorados para alguns tem o peso de uma sentença: o vazio prolatado de uma vida dedicada a não ter ninguém – como se fosse capricho. Para quem está em uma relação em que os corpos não se entendem mais, o Dia dos Namorados soa desagradável, constrangedor. Um homem e uma mulher cujos corpos se estranham são torturados a comemorar o que não há mais entre eles pra ser comemorado. E aqueles ávidos para emplacar o relacionamento e ansiosos para se tornarem namorados não conseguem experimentar as gostosuras do enamoramento. Esquecem-se de que é preciso tempo pra se preparar para o namoro, sobretudo depois de algumas desilusões.

Precisa-se de tempo para o namoro. Tempo pra despertar as fantasias com a voz, o olhar, o semblante, o silêncio do outro. Tempo pra reconhecer o corpo, as mãos do outro, inesperadamente, no meio de outros corpos e mãos em uma feira, um show, uma praça, uma festa, na praia, no parque, entre todos os outros corpos e mãos desconhecidos. Ali, no meio de todos os outros, reconhecemos o corpo e as mãos de quem já estamos “namorando”. Para isso é preciso tempo. Coisa que namorados de verdade sabem e não querem perder.

Para quem não dispensa o tempo pra estar junto com o outro pra simplesmente namorar, o Dia dos Namorados é só mais um dia. Um outro dia para o namoro. Um dia pra namorar sem vergonha dos clichês - até quando “enfim, sós!”... Não importa.

Viviane Campos Moreira.
Crônica postada em videbloguinho

Olá!


Foto: Geraldo Magela.

O Balaio da Vivi, originalmente um marcador do meu outro blog - o videbloguinho - virou BLOG!

Mais coisas minhas em outras vitrines:

No videbloguinho compartilho leituras, poemas, textos, causos e entrevistas.

Semanalmente, às sextas-feiras, são postados poemas no marcador AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS.


Mais: entrevistas sobre consumismo Balaio da Vivi: uma prosa com o filósofo Sérgio Murilo Rodrigues (ENTREVISTA: 1ª parte); amor & relacionamentos Balaio da Vivi: uma prosa com a psicanalista Inez Lemos (ENTREVISTA) e poesia Balaio da Vivi: uma prosa com a poeta Therezinha Melo Urbano de Carvalho (ENTREVISTA).


Artigos e comentários no Amálgama sobre a aparência hoje Aparência é fundamental, e daí?; status, saúde e direitos das brasileiras Quem fala por você, mulher?; a fala do ministro Temporão sobre a Lei Seca e o pai Temporão, a Lei Seca e o pai; crônica e comentários sobre comportamento: uma olhar através das câmeras de vigilância de um prédio ou para além delas Transar na minha guarita, não! O artigo Quem fala por você, mulher? também foi publicado na e-Revista IPAS/Brasil nº45.

Pode abrir as janelas e dar uma olhadinha, ou mais de uma...