sexta-feira, 19 de abril de 2013

ARTEFATOS (CARROLLIANOS) DE UMA JOVEM SENHORA


nego o que foi
perdido

me matou

pedaço de carne agonizante
objeto delirante
restolho de osso
ruína escandida
alojada na premência do que se foi
daquele que nego
aquele que se foi

me fez vida

guardo
relíquias
desentranhadas
                           do morto
                                           vivo em mim

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Viviane C. Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS
*Peça de Acácia Azevedo: Blog

Mais: MAU-OLHADO

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Blues na praça

Foto: Claudinha Oliveira

Em clima descontraído, o gaitista Leandro Ferrari &  convidados levam o blues para a Praça da Savassi e promovem um espetáculo gostoso ao ar livre no estilo blues para todos. No formato “blues desplugado” - sem amplificadores, sem microfone, mas com megafone - o improviso e a técnica misturam-se saborosamente.

Blues despojado. Acústico. Blues que rola numa prosa agradável entre gaita, guitarra, violão, violino, percussão... Músicos experientes em torno de uma mesa. Entre eles: o blues. Em torno de uma mesa de bar: o blues. E no entorno: o blues. Na praça, uma roda de blues. Simplesmente blues.

***

Músicos: Leandro Ferrari, Lucas Luís, Leo Machaka Batista, Bola, Adelito Maia, Leonardo Tomich, Marcelo Fonseca, mais convidados.

A roda de blues acontece aos sábados, a partir das 18h, na Praça da Savassi, no quarteirão fechado da Rua Pernambuco, entre Cristóvão Colombo e Fernandes Tourinho.

Mais: aqui

segunda-feira, 8 de abril de 2013

MAU-OLHADO


                                                                   
                                       sua insônia veste de morte sua alma
                                       quebrantada de maus agouros e
                                       malogros;
                                       a noite desterrou seus sonhos e seus abrigos

(caboclo
gosta de ti)

                                       sorrateira
                                       embrenhou-se na rede dos seus ódios e
                                       na bainha de seus medos de menina
                                       - a mente mente, de noite e de dia

(caboclo
custa dar jeito)

                                       sua cara de santinha do pau oco
                                       não esconde mais a fúria dos seus rancores
                                       nem o seu sorriso de boneca de cera
                                       empana seu ácido desespero

(cara de pau
pedra
mandinga raivosa,
fia)

                                     quisera muito da vida em tempos
                                                  [de pouca fartura                          
                                     pensara que sua fome engolia a fome do mundo
                                     - que nada,
                                     a miséria tem muitos nomes

(caboclo
acha graça)
                                   
                                     olhava pela janela as coisas do mundo e
                                     não se queimava por elas
                                     eram só clamores de um mundo distante;
                                     ruídos sem sentido algum

(caboclo
zomba de ti)

                                     querer muito da vida não é vergonha
                                     pai e mãe têm pouca serventia
                                     na trama ardilosa do destino
                                     sempre à espreita, caladinho

(cara de pedra
sabão
mandinga raivosa,
fia)

                                   a vida nos grotões de sua ânsia
                                   endureceu feito carne congelada
                                   agora, repousa amarga na soleira
                                              [dos seus assombros
                                   - pra que tanto tino, moça tinhosa?

(caboclo
sente por ti)

                                  angústia é sombra perseguidora
                                  cobre a gente igual espinho e
                                  trapaceia e engana
                                  mais que pé de curupira

(cara de sabão
pipoca
mandinga raivosa,
fia;

do
céu
cai
lágrima
doce
pra
ti;

formosura
de muié
água rega
e ladrão
não leva)


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Viviane C. Moreira
Publicado na e-revista Mucury n. 9:  aqui

*Peça de Ma Ferreira: Blog

Mais:  P&B

sábado, 6 de abril de 2013

Vinicius & Braga

Vinicius, Braga, Paulinho e Chico
 
 
No ano em que se comemora o centenário de Rubem Braga (12/1/1913) e de Vinicius de Moraes (19/10/1913), convém lembrar da amizade e da troca de afeto entre os dois. Rubem Braga homenageou Vinicius em Bilhete para Los AngelesE o "bravo capitão Braga", como Vinicius chamava-lhe, foi homenageado pelo poetinha:
 
 
MENSAGEM A RUBEM BRAGA
 
 
Os doces montes cômicos de feno
(Decassílabo solto num postal de Rubem Braga, da Itália)
 
 
A meu amigo Rubem Braga
Digam que vou, que vamos bem: só não tenho é coragem de escrever
Mas digam-lhe. Digam-lhe que é Natal, que os sinos
Estão batendo, e estamos no Cavalão: o Menino vai nascer
Entre as lágrimas do tempo. Digam-lhe que os tempos estão duros
Falta água, falta carne, falta às vezes o ar: há uma angústia
Mas fora isso vai-se vivendo. Digam-lhe que é verão no Rio
E apesar de hoje estar chovendo, amanhã certamente o céu se abrirá de azul
Sobre as meninas de maiô. Digam-lhe que Cachoeiro continua no mapa
E há meninas de maiô, altas e baixas, louras e morochas
E mesmo negras, muito engraçadinhas. Digam-lhe, entretanto
Que a falta de dignidade é considerável, e as perspectivas pobres
Mas sempre há algumas, poucas. Tirante isso, vai tudo bem
No Vermelhinho. Digam-lhe que a menina da Caixa
Continua impassível, mas Caloca acha que ela está melhorando
Digam-lhe que o Ceschiatti continua tomando chope, e eu também
Malgrado uma avitaminose B e o fígado ligeiramente inchado.
Digam-lhe que o tédio às vezes é mortal; respira-se com a mais extrema
Dificuldade; bate-se, e ninguém responde. Sem embargo
Digam-lhe que as mulheres continuam passando no alto de seus saltos, e a moda das saias curtas
E das mangas japonesas dão-lhes um novo interesse: ficam muito provocantes.
O diabo é de manhã, quando se sai para o trabalho, dá uma tristeza, a rotina: para a tarde melhora.
Oh, digam a ele, digam a ele, a meu amigo Rubem Braga
Correspondente de guerra, 250 FEB, atualmente em algum lugar da Itália
Que ainda há auroras apesar de tudo, e o esporro das cigarras
Na claridade matinal. Digam-lhe que o mar no Leblon
Porquanto se encontre eventualmente cocô boiando, devido aos despejos
Continua a lavar todos os males. Digam-lhe, aliás
Que há cocô boiando por aí tudo, mas que em não havendo marola
A gente se aguenta. Digam-lhe que escrevi uma carta terna
Contra os escritores mineiros: ele ia gostar. Digam-lhe
Que outro dia vi Elza-Simpatia-é-quase-Amor. Foi para os Estados Unidos
E riu muito de eu lhe dizer que ela ia fazer falta à paisagem carioca
Seu riso me deu vontade de beber: a tarde
Ficou tensa e luminosa. Digam-lhe que outro dia, na rua Larga
Vi um menino em coma de fome (coma de fome soa esquisito, parece
Que havendo coma não devia haver fome: mas havia).
Mas em compensação estive depois com o Aníbal
Que embora não dê para alimentar ninguém, é um amigo. Digam-lhe que o Carlos
Drummond tem escrito ótimos poemas, mas eu larguei o Suplemento
Digam-lhe que está com cara de que vai haver muita miséria-de-fim-de-ano
Há, de um modo geral, uma acentuada tendência para se beber e uma ânsia
Nas pessoas de se estrafegarem. Digam-lhe que o Compadre está na insulina
Mas que a Comadre está linda. Digam-lhe que de quando em vez o Miranda passa
E ri com ar de astúcia. Digam-lhe, oh, não se esqueçam de dizer
A meu amigo Rubem Braga, que comi camarões no Antero
Ovas na Cabaça e vatapá na Furna, e que tomei plenty coquinho
Digam-lhe também que o Werneck prossegue enamorado, está no tempo
De caju e abacaxi, e nas ruas
Já se perfumam os jasmineiros. Digam-lhe que tem havido
Poucos crimes passionais em proporção ao grande número de paixões
à solta. Digam-lhe especialmente
Do azul da tarde carioca, recortado
Entre o Ministério da Educação e a ABL. Não creio que haja igual
Mesmo em Capri. Digam-lhe porém que muito o invejamos
Tati e eu, e as saudades são grandes, e eu seria muito feliz
De poder estar um pouco a seu lado, fardado de segundo-sargento. Oh
Digam a meu amigo Rubem Braga
Que às vezes me sinto calhorda mas reajo, tenho tido meus maus momentos
Mas reajo. Digam-lhe que continuo aquele modesto lutador
Porém batata. Que estou perfeitamente esclarecido
E é bem capaz de nos revermos na Europa. Digam-lhe discretamente
Que isso seria uma alegria boa demais: que se ele
Não mandar buscar Zorinha e Roberto antes, que certamente
Os levaremos conosco, que quero muito
Vê-lo em Paris, em Roma, em Bucareste. Digam, oh digam
A meu amigo Rubem Braga que é pena estar chovendo aqui
Neste dia tão cheio de memórias. Mas
Que beberemos à sua saúde, e ele há de estar entre nós
O bravo capitão Braga, seguramente o maior cronista do Brasil
Grave em seu gorro de campanha, suas sobrancelhas e seu bigode circunflexos
Terno em seus olhos de pescador de fundo
Feroz em seu focinho de lobo solitário
Delicado em suas mãos e nos seu modo de falar ao telefone
E brindaremos à sua figura única, à sua poesia única, à sua revolta e ao seu cavalheirismo
Para que lá, entre as velhas paredes renascentes e os doces montes cônicos de feno
Lá onde a cobra está fumando o seu moderado cigarro brasileiro
Ele seja feliz também, e forte, e se lembre com saudades
Do Rio, de nós todos e ai! de mim.
 
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Vinicius de Moraes em Antologia Poética