quarta-feira, 13 de junho de 2012

Qual é a sua história?


Isso mesmo: a sua história. Você tem a sua história para contar? Quem se interessa pela sua história, além do seu analista? Seus filhos? Seu marido? Namorido? Seu novo namorado? Quem se interessa pela história que fala de você e que você deseja contar? A sua própria história, contada por você? Com pausas. Cortes. Silêncios. Entrecortada por reticências. Medo. Falhas da memória – armadilha do tempo. Assaltada pelo estranhamento da falta de sentido em quase tudo. Pontuada de acasos que podem fazer algum sentido. Para quem?

Isso: você vai narrar. Não vou narrar sua história pra você. Não, sinto muito. Não posso. Pode começar contando sua história na primeira pessoa. Posso te ajudar. Começa pelo teu nome. É sim, nome é muito importante. O meu é importante. O seu também é. Alguém lhe deu o seu nome – houve uma escolha… Deve ter alguma razão pra você se chamar Aparecida. Deve haver algum motivo. Alguma pista? Tente lembrar…

Bom começo: Aparecida, porque sua mãe era devota da santa e seu pai, que não ligava a mínima para religião, gostou do nome Aparecida, projetando um futuro de muito brilho pra você, com direito a já nascer com nome artístico: Cidinha Pop Star, a diva das coxas grossas… (Com uma bela voz, muito gostosa e com algum talento, ela será uma Aparecida mais aparecida do que as outras aparecidas…) Assim, foi escolhido o seu nome. “Desse jeito”, você me diz.

Daí você não nasceu com coxas grossas nem com uma bela voz nem se tornou cantora, mas se arranjou na vida, sem brilhar nos palcos, sem virar beata, e você confessa que suas pernas são mais pra finas que pra grossas, porém, você é esguia e está na moda – pouca carne, como teu pai te chamava, carinhosamente – eu sei.

Pois bem. E o que mais? Ah você diz que tem mais para contar, mas não sabe se importa, ou se vale como história, porque você se virou como deu e a vida seguiu normal. E você me pergunta se o que me conta vale como história? Eu digo: vale. E você pensa que estou zombando de você porque sua história não tem graça alguma e nada tem de anormal – é o que você pensa. Aliás, sua história é “bem normalzinha”, você insiste. Repito: sua história vale. Isso. Vale o que vale. Para quem ela vale. Você não entende? Mais ou menos?

Então, sua vida seguiu normal… – esta é a história que você tem para contar? “Acho que sim”, você responde desconfiada. “Vale?” Digo: vale para quem ela vale. Não entende? Entende mas não gosta. Ah… Não sabe mais se quer contar a sua história… Mas se você não contar, quem vai contar?

E aí? Isso: respire. Profundamente. Ou nem tanto. Talvez baste uma respiração mais curta, aquela do cachorrinho, do yoga… Ohmmm… Respire. Como quiser ou der. O tempo muda. Sempre muda. Às vezes até troca as coisas de lugar. Depende da tempestade, sabe. Do vento que ela traz. Ou da pasmaceira, se for demais. Neste caso, o vento nem precisa ser forte. Mas acho que a vida é feita também de pasmaceiras. Algumas. Muitas. Depende. Não sei. O que você acha? Não sabe também. Difícil saber… Mas a sua vida não é sempre um mar de pasmaceira, é? Sabia que não. Nunca é feita de uma coisa só, a vida.

E a história? A sua história? Não sei se a sua história é a história da sua vida. Você sabe? Você acha que é a mesma coisa? A sua história é a história da sua vida? É isso? Você vai contar a sua história como a história da sua vida? Pode ser… Mas você ainda não sabe como contá-la? Não, não me peça isso. Não posso narrá-la. Disse isso no início, lembra? Eu disse. E você topou.

De todo modo, não sei se a história da gente é a história da vida da gente. Talvez não seja. Há o que fica pelo caminho. O que se perde ou o que se ganha nos sonhos. O que fica só na vontade… E um tanto que não fica em parte alguma. Puf! Há o que sobra e não era para sobrar. E o que não sobra, embora fosse apenas sobra. Há a parcela do que não fomos e do que poderíamos ter sido… Há um bocado de não-ser na narrativa… Isso: a narrativa que não se escreve sozinha, ainda que terceirizada. Acho que há um pouco ou bastante disso. Não sei. Eu acho sim. E você?

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Viviane Campos Moreira
Crônica publicada no Amálgama
Também publicada na revista  Semana Online Ed. 34/2012

*Cerâmica de Rita Scaldaferri Carneiro
Foto de Miguel Aun


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