sábado, 31 de outubro de 2015

Malbec para mulheres



Chuva sexta-feira à noite em Belo Horizonte no início de outubro. Inesperada. Um torozinho em uma primavera assombrosamente quente.
Melhor chamar o táxi depois da chuva sonsa.
Bolsa arrumada, espumante gelado, presente, batom, gloss… Tudo pronto.
Falta a sombrinha abandonada em algum lugar…
Uma trégua da chuva e ligo para a cooperativa de taxistas. Com sorte, encontra-se um táxi na noite chuvosa. Dez minutos, ele chega.
– Boa noite, você é a Viviane?
– Sim, sou.
– Temos que conferir o nome do passageiro, sabe?
– Sei. Por favor, iremos a esse endereço aqui. Não repare, meus óculos não couberam nessa bolsa pequena. O Sr. consegue ler o nome da rua nesse papel?
– Sem problema. Ah essa rua… Há outra que confundo com ela porque os nomes são muito parecidos. Você vai pra Santa Tereza…
– Isso. Lá mesmo. Mas não tenho referência. Não sei as esquinas, infelizmente. É a primeira vez que vou a esse lugar.
– Acho que sei qual é a rua, mas, por segurança, vou jogar no GPS. Não custa.
– E essa chuva… Nessa época…
– Sim, não é?
– Me distraí com ela e acabei esquecendo algo importante, acho. “Sempre que esqueço alguma coisa tenho impressão de que estou esquecendo, mas esqueço do mesmo jeito” – pensei. Bom, me esqueci de passar perfume. Até deixei o frasco separado…
– Ah que pena. Qual era o perfume?
– Bulgari, Omnia.
– Qual deles?
– Amethyste.
– O lilás! Muito bom! Bom demais! Cairia muito bem hoje. A chuva não vai durar, e a noite promete esquentar. Eu também não gosto de sair de casa sem perfume. Até pareço mulher. Vai ver que por gostar tanto delas, né?
– Pode ser…
– Só saio de casa cheiroso. De dia, uso um mais discreto. Agora, à noite, ou numa ocasião especial, um mais marcante. É o meu perfume, esse.
– Ah é? Interessante…
– Esse, para ocasiões muito especiais, é o meu perfume. Ando com ele no carro. É o perfume.
– É bom ter um perfume da gente, não é?
– Se é! Esse aí tem história…
– Ah gosto muito de histórias. Não conheço nenhuma com perfume.
– Uma paixão que durou 2 anos e ½. Sou casado, sabe? Mas fui pego por essa paixão mais amarela do que roxa numa idade… Tô com 45… Mas com fogo de macho novo. Achei que isso passaria… Não passou, nem passa. Eu e minha mulher estamos bem. Temos filhos. E ficamos bem, casados.
– Então você não quis se separar…
– A questão não era essa. Mas a paixão. A paixão, boa demais! Não esperava viver algo assim mais. Ela queria se casar, mas eu já era casado. Então ela se casou também.  
– E vocês puderam continuar…
– Aí que tá! Achei que seria assim. Até dei força pra ela se casar. Ela com 34… Incentivei.
– Então acabou?
– Ela ainda me liga, de vez em quando. A gente se encontrava à tarde… Era bom demais! Eu e ela no fogo cruzado da paixão, sem pedir licença. Sem pedir licença, sabe? Cama quente. Brasa pura. Quando a gente chegava a ir pra cama… Se desse tempo… Podia ser em qualquer lugar… Nossa, era bom demais! Bom demais! Sabe quando a química é forte? Muito forte? Mas forte, forte mesmo?
– Posso imaginar, não é? Mas o que aconteceu? As coisas pareciam favoráveis, não?
– Sim. Estavam. Fico pensando, sabe? Fico pensando…  Era bom demais! Era mesmo bom, muito bom. Bom demais!
– Então você tem saudade?
– Se tenho… Fico seco de saudade. Minha mulher não quer mais saber de sexo. Eu até achei que as coisas pro meu lado iam se acalmar – que nada! E…
– Vocês não se encontram mais?
– Faz mais de 6 meses…
– O que houve? Sua mulher descobriu?
– Não, não. Minha mulher é muito tranquila pra essas coisas. Sabe o que ela diz quando passo perfume?
– Não. O quê?
– Que isso é coisa de boiola.
– Ah… É?
– Essa paixão me pegou de surpresa. Eu achava que fosse sossegar… 45 com um fogo desse… Acho que não tenho jeito. Era bom demais! Muito bom! Transar com paixão é bom demais, né?
– Vocês continuam apaixonados?
– Apaixonado eu ainda tô por que… foi bom demais! Ela, não sei. Fico pensando… Era bom demais!
– O que houve?
– Então, da última vez em que nos falamos, ela me contou que dorme comigo todas as noites, até quando está sozinha.
– É?
– Ela deu meu perfume de presente pro marido. Disse que a casa toda tem meu cheiro. E, quando ele viaja, ela joga meu perfume no travesseiro. Disse que se enrosca nele, e a noite pega fogo.
– Ah…
– Esse perfume aqui… Só ando com ele. Bom demais!
– Olha, bacana o frasco. “O perfume nem se fala” – pensei rápido.
– Você tão elegante assim não pode ir à festa sem perfume. A chegada é muito importante, né? Chegar chegando é bom demais! Se você não se importar, por ser perfume de homem, posso te emprestar…
– Imagina se vou me importar. Por favor, o Sr. pode pôr 2 gotas e ½
em cada punho? “Mais do que isso, nitroglicerina pura” – pensei, sorrindo.
– É spray, mas tenho a manha de pôr pouco.
– Obrigada. O Sr. é muito gentil. Esse Malbec vai causar.
– Às ordens. Ah não se esqueça de esfregar o punho no cangote também… Bom demais um cheiro nesse canto.

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Crônica minha publicada no Amálgama

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