segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Delicadeza


Para quem gosta de saber a moral da história, antes mesmo de ir ao cinema, aviso que esta pode ser a mensagem do filme A delicadeza do amor. Por que tantos parecem querer o amor? Por que poucos realmente o querem? O filme de David e Stéphane Foenkinos não explica, embora retrate com beleza, graça e encantamento a delicadeza do amor. Segundo os irmãos Foenkinos, o filme é “uma comédia romântica para os homens”.

Uma mulher que faz o luto de um grande amor comove-nos com sua dor. De amor. Dor de amor perdido. Um amor lhe fora tomado pela morte. Subitamente. O seu belo amor, seu marido, saiu de casa pra correr, bem disposto, em um dia como em outro qualquer. Mais tarde, ela recebeu um telefonema e imediatamente saiu de casa rumo ao hospital, onde seu amado respirava com a ajuda de aparelhos, morrendo logo depois. Assim, ela começou viver a dor do luto. Não hesitamos em acompanhá-la na sua dor. E com ela seguimos, lado a lado.

A atriz Audrey Tautou, que também foi Chanel e Amélie Poulain, empresta sua feminilidade à delicada e determinada Nathalie. A atriz que nos leva ao cinema para assistir ao drama da personagem Nathalie, mais uma vez conta uma boa história.

Vemos uma mulher fazer o luto do seu grande amor, sem se desviar da dor imposta pelo luto. Ela topa enfrentar essa dor. Não joga com a dor. Não se corrompe. É desejada por um homem, seu chefe, por quem não tem interesse algum, como mulher. É cortejada por esse homem a quem ela diz não desejá-lo. O que havia em Nathalie que teria feito esse homem apaixonar-se por ela? Seria o seu sofrimento? A dor da perda do seu amor? Esta dor teria acendido nesse homem o desejo de ser amado? Afinal, o que significava o sofrimento de Nathalie? Nem a secretária interessava ao chefe, mas somente a mulher que perdeu o seu amor, a sedutora Nathalie, tão arrebatadora quanto Yoko Ono, como ele diz.

E assim, Nathalie prossegue na sua promessa de partir a dor do luto, quando em um dia, um dia comum, mas não um dia qualquer, ela beija um desconhecido; um colega de trabalho que entra na sala do seu escritório. Um estranho. Um homem diferente. Estrangeiro. Ela o beija demoradamente. Um beijo com desejo. Ardente. Beijo que incendeia. Beijo de quem fantasia o beijo. Beijo de quem beija com o corpo e a alma. E… Ela não sabe por que fez isso. Sabe que fez. E fez. O homem que teve um superbeijo roubado não sabe por que foi beijado, mas sabe que foi – e como foi.

Qual o segredo desse beijo? Por que esse beijo mexeu tanto com o Markus? O homem que foi beijado à toa defende o mistério desse beijo. Não quer que o beijo seja tratado como assédio. Não quer saber desse papo de assédio. O que importa pra ele: o beijo de Nathalie.

Que nome dar ao que estava rolando entre eles, sem terem ainda um caso? (Eles sentiam a presença desse nome – uma visita que chegou sem avisar…) Que atração era essa de Nathalie pelo estrangeiro “feio e insignificante”? O que ele tinha que o chefe não tinha? Seria só atração o que despertava ciúmes e inveja nos amigos dela?

Enquanto o clima entre Nathalie e Markus provoca estranheza, eles deixam o amor chegar… Sem alarde. Sem as conveniências que propiciam o conforto de uma vida previsível. Sem a segurança que inspira um modelo de vida em que se pensa ter controle sobre ela. Sem o desperdício de tempo com o que não interessa ao amor. E de mansinho, o amor foi se instalando em cada um, embalado em presentes simbólicos, em confidências trocadas com sensibilidade, sinceridade e cumplicidade. Com a espontaneidade de quem se revela com toda a falta de jeito própria do amor inesperado.

Nathalie e Markus sentiram o amor chegar. Deram ao visitante uma terna acolhida. Tornaram-no hóspede. O amor, não raro, é dado pelo acaso. Pode acontecer quando menos se espera. Quando não se acredita mais que ele possa chegar. Quando se pensa já tê-lo vivido. Ele pode chegar estranho até. Mas o acaso não dispensa o amor da exigência. O amor é exigente. E faz suas exigências. Para uns, ele pode ser um exagero. Para outros, uma presença que exige delicadeza – amor, pois este é o nome.


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Publicado no Amálgama

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