sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Ah, o Sarau do Amor


 
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prosa & poesia
corpo & fala
gente & música
 
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arte: agência QG7/Minas
 
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idealizadora e produtora: Viviane C. Moreira
 
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realização: videbloguinho & Balaio da Vivi

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sábado, 19 de outubro de 2013

E a morte, Vinicius?

 
No ano em que se comemora o centenário de Vinicius de Moraes, que adorava falar da morte e sobre ela falava com encantamento, entre muitas perguntas que gostaria de fazer ao poetinha, a primeira seria:

- E a morte, Vinicius, como vai?

A morte, sim. Como anda a morte?

Mas por que a morte, com tanta coisa que não vai bem? Os encontros não vão bem – mal, mal acontecem. E quando chegam a acontecer, os amantes pouco se dão e logo, logo se perdem no desengano do encontro amoroso. Os encontros não resistem aos espelhos que se estranham, quando um não se reconhece no outro. Haja encontro para tanto engano. E o tempo, cada dia mais curto, não sobra para os amantes. O excesso (ou a falta) de trabalho, a falta (ou o excesso) de dinheiro e a insatisfação com a busca de uma felicidade inalcançável extraem dos amantes a poesia para saborear o amor que não gosta de se apressar. É! A arte do encontro não anda nada bem.

A paixão também não. E não venham dizer, como escuto volta e meia, que paixão vem de pathos, que significa sofrimento, doença, logo paixão bem não faz. Não é da paixão que levamos para o divã que estou a falar. Não venham dizer que a paixão faz mal ao amor ou que o amor e a paixão não combinam ou que o amor que dá certo – quando dá! – é o amor sem paixão, como se fosse fácil separar amor de paixão. Nem fácil nem didático.

E quem foi que disse que o amor dispensa a paixão? Coitado do amor. Tão pouco compreendido. Tão pouco vivido. Falam tanto do amor, mas se esquecem da paixão que todo amor que se preza carrega consigo. Em cada amor, há uma paixão escondida, doida para se desvelar. Doidinha para se despir de suas próprias loucuras. Mas quem sou eu para falar do amor… Só estou a dizer que o amor com paixão também não vai bem.

Já a beleza vai muito bem. As mulheres tanto amadas e apaixonadamente desejadas por Vinicius estão cada dia mais belas – em todas as idades. Aos 15, aos 20, aos 25, aos 30, 40, 50, aos 60… A terceira idade agradece seu bem-estar aos recursos da medicina estética. Aos cosméticos. Aos alimentos light, diet, orgânicos. Ao yoga, ao pilates. Aos grupos de leitura. Aos grupos de estudo. Aos grupos de gastronomia. Ao teatro. Ao cinema. À literatura. À filosofia. À psicanálise também. As mulheres hoje são belas e interessantes. E parece que só a beleza não basta. Diversificaram-se os interesses das mulheres. Solteiras ou casadas, as mulheres andam mais interessadas e, portanto, mais interessantes. A quem Vinicius pediria perdão hoje?

Ops! Esta seria a segunda pergunta… De volta à primeira, perguntaria a ele, que tanto entendia da morte, como vai a morte. Não a morte em vida. Esta que vemos por aí e se tornou muito comum. A morte: o termo final da vida. Como ela anda? Por que a morte não desperta mais nenhuma paixão? Por que não reconhecemos mais na morte a beleza da sua feiura? Por que fingimos que a morte não vale nada se, pelo contrário, vale tudo? Ou a vida não é tudo?

Houve um tempo em que bravos guerreiros morriam em batalhas sangrentas a serviço de seus imperadores. A morte dignificava o homem que perdia a própria vida na guerra. Com sangue, a morte fazia a vida valer. Sangue, morte, vida.

Vida, morte, sangue. Hoje, por nada, morremos. Diariamente. De bobeira, morremos. Estressados, morremos. Panicados, morremos. Anestesiados, morremos. Indiferentes, morremos. E vamos levando a vida assim. Sem sangue. Sem paixão. Sem o calor da vida que temos para viver. Amortecidos. Fazemos corpo mole na vida. Esperamos dela demais. Queríamos que ela fosse mais generosa. Queríamos até trocá-la por outra vida. De uns tempos para cá, o que mais dizemos: não dou conta. E a vida “que é pra valer e uma só” corre. Ligeira.

Pois é, poetinha! Você que tudo entendeu da morte e foi muitos Vinicius, o que diria do nosso pouco caso em relação à morte? Ou à vida? Bobagem minha. Você já respondeu: “a vida só se dá pra quem se deu”.

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Crônica minha publicada no Amálgama
Minha página no Amálgama: aqui

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Imagem x realidade

Picasso
 

O que o mal-estar supostamente provocado pelo discurso de Luiz Ruffato, na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, nos diz?

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"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século XXI, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.

O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro – é a alteridade que nos confere o sentido de existir –, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.

Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.

Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, jornalistas, artistas plásticos, cineastas, escritores.

Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania – moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade –, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não-pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...

Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios – o semelhante torna-se o inimigo.

A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.

Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados.

Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade.

E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.

O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais – ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.

A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.

Mas, temos avançado.

A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia – são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.

Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, mas privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em
dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.

Nós somos um país paradoxal.

Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo – amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão-de-obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.

Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos...

Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?

Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro – seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual – como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."

domingo, 13 de outubro de 2013

A voz do silêncio

Bruno Barbey


O que o silêncio tem a nos dizer?
Por que parar os ruídos do mundo para ouvir o silêncio?
Para que uma política do silêncio?

O silêncio é o tema do Mutações 2013 que se encerra este mês no Rio com as conferências Sublime por atrofia (Vladimir Safatle em 14/10/13) e  O silêncio de antes (Luiz Alberto Oliveira em 21/10/13).

O ciclo de conferências "O silêncio e a prosa do mundo" do Mutações 2013 tem curadoria de Adauto Novaes.

Sinopses das conferências: aqui