terça-feira, 29 de março de 2011

Felicidade química

"Os brasileiros* estão recorrendo mais aos antidepressivos e estabilizadores de humor para conseguir lidar com as pressões do dia a dia, o que traz alegria para os fabricantes. Depois de investir muitos bilhões de dólares, a indústria farmacêutica, para muitos, desvendou a química da felicidade. No país, o faturamento com a comercialização desses medicamentos cresceu 138,5% nos últimos cinco anos, bem acima da média mundial de 15,4%. As vendas brasileiras saltaram de US$271,6 milhões em 2006 para US$647,8 milhões em 2010, segundo dados do IMS Health, instituto de pesquisa que faz a auditoria do mercado de medicamentos.

Levantamento do IMS Health com 55 países revela que nos últimos cinco anos, em países como Estados Unidos, Alemanha, França e Espanha, as receitas com vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor ficaram praticamente estagnadas. No Reino Unido, chegaram a cair 30,8% no período, passando de US$ 703 milhões para US$ 486,6 milhões. Enquanto isso, o faturamento no Brasil e na China mais que dobrou e atingiu patamares próximos aos dos grandes consumidores canadenses e europeus - reconhecidos por níveis mais elevados de depressão entre a população.

Mundialmente, os mais ricos são também os que mais consomem remédios para depressão. Os Estados Unidos movimentam sozinhos mais de 60% do mercado, mas vêm apresentando crescimento leve desde 2006. O avanço de países emergentes como o Brasil e a China é bem mais agressivo. Percentualmente, o Brasil dobrou sua participação no faturamento mundial, assim como os chineses, que crescem a passos de gigante também nos incômodos da alma, movimentando, no ano passado, US$ 710 milhões com as chamadas pílulas da felicidade.

Para se desenvolver um medicamento com grande impacto terapêutico, o investimento médio da indústria é de US$ 1,2 bilhão. Mas o mercado é promissor. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que em 2030 a saúde mental vai ocupar lugar de destaque no orçamento doméstico. A depressão vai ser a doença mais comum, à frente de outros problemas, como os cardiovasculares.

Estima-se que no Brasil entre 10% e 20% da população sofra da doença o que requer o consumo contínuo de substâncias por uma boa parte da vida.

A quebra das patentes e o fornecimento das substâncias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) também serviram para popularizar o uso dos antidepressivos e evitar que, por questões econômicas, o tratamento seja abandonado.

Jogando a favor do lucro da indústria farmacêutica está a longevidade da população, aliada ao avanço da neurociência.

Pessoas mais jovens entristecidas também garantem força extra à expansão do mercado de antidepressivos no país.

O diagnóstico psiquiátrico feito por médicos de várias especialidades reforça as vendas mas preocupa: "Hoje, sentimentos e emoções são confundidos com depressão", diz a presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, Sandra Carvalhaes."

*Fonte: jornal Estado de Minas - Economia - p.14 - 27/3/2011.



* * *


E como ficamos? Será que a vida não fica "azul" demais com essa felicidade? Será que não ficamos presos na ideia de uma felicidade sem infelicidade?

E o sentir poético, com suas contradições, ambivalências e estranhamentos - onde fica; pra onde vai? Que tal pílulas de poesia? Pelo menos, haveria no ideal de felicidade outras cores além do "azul". Nas prateleiras, haveria cinza, castanho, roxo, vermelho...

segunda-feira, 28 de março de 2011

A reinvenção do amor - Malvine Zalcberg

Em maio, no Rio, na Casa do Saber, curso com a psicanalista Malvine Zalcberg.


“O amor é para ser reinventado, o sabemos”, escreveu o poeta Arthur Rimbaud em 1873.O fato de as mulheres terem adquirido, a partir do século XX, maior independência pessoal, econômica e sexual contribuiu, entre outros fatores, para que grande parte das relações entre os sexos se tornasse frágil e transitória. Sentimentos de depressão e solidão cada vez mais frequentes, de um lado, e queixas de homens e mulheres por não encontrarem parceiros dispostos a relações duradouras e sólidas, de outro, são indícios da necessidade de se repensar a inscrição do amor na vida do sujeito contemporâneo.

Início 3 de maio • Terças-feiras, às 20h • 4 aulas • R$ 160 + 1 parcela de R$ 200


3 DE MAIO 1. EM DEFESA DO AMOR

O amor deve ser reinventado e defendido, porque está ameaçado. Uma das ameaças decorre do fato de os sujeitos estarem em busca de um amor sem riscos. Outra ameaça provém da circunstância de os sujeitos não atribuírem fundamental importância à dimensão do amor em suas vidas. O amor deve voltar a inscrever-se no risco e na aventura, na experiência autêntica e profunda da alteridade pela qual o amor é tecido. “O amor será sempre o amor” (Gilles Lipovetsky, 1997).


10 DE MAIO 2. A ARTE ANTECIPANDO TENDÊNCIAS E CORRENTES

A retomada expressiva de filmes, livros e peças de teatro com temáticas de relacionamentos amorosos revela como a busca por novas formas de amar se expressa no imaginário de nosso tempo. O que teria inspirado Godard, em "O elogio do amor" (2001), a falar dos quatro tempos do amor – em que, após a união, a paixão e a separação, haveria a reconciliação –, se não estivesse implícita a ideia de uma aspiração à continuidade e à permanência de laços afetivos?


17 DE MAIO 3. FILÓSOFOS MODERNOS MILITAM PELO AMOR

Platão já havia estabelecido o vínculo particular entre amor e verdade. A Filosofia retoma essa ideia, debatendo a forma como o amor constitui uma experiência que tem algo de universal. O universal no amor é a construção de uma verdade sobre o ser Dois e não Um. “O amor é a verdade da diferença como tal” (Alain Badiou, 2009).


24 DE MAIO 4. OS NÓS DO AMOR

A Psicanálise ressalta a importância do amor para suprir a relação sexual que, no sentido de complementaridade, não existe entre os sexos. Homens e mulheres são seres que não falam a mesma língua e são destinados ao desencontro. O que permite a relação entre os sexos é a contingência dos encontros amorosos. O amor é essa confiança atribuída ao acaso. “Do amor se fala!... Talvez ele não seja mais do que um dizer... um jogo do qual as regras não são conhecidas.” (Lacan, 1975)



Malvine Zalcberg

Psicanalista e doutora em Psicanálise pela PUC-Rio. Na qualidade de professora adjunta da Uerj exerceu, por 25 anos, atividades de coordenação, ensino e pesquisa no Serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto e no Instituto de Psicologia. É autora de livros como "A relação mãe e filha" e "Amor paixão feminina".


Informações: inforio@casadosaber.com.br.
Site: www.casadosaber.com.br.
Tel.: (21) 2227 2237.
End.: Av. Epitácio Pessoa, 1.164 - Lagoa - Rio de Janeiro.


Mais: A trama do amor entre o homem e a mulher; A mágica do amor na conferência de Malvine.

quarta-feira, 23 de março de 2011

O que as mulheres não querem?


Paula Souza Dias*
Foto: Miguel Aun.




Freud, diante do enigma do desejo feminino, formulou a pergunta: “Afinal, o que quer a mulher?” A histeria feminina foi acolhida pela escuta de Freud, que deu às histéricas o poder da palavra. E charme. Bastante charme.

“Impressionado com o relato do médico Josef Breuer sobre o tratamento de Anna O., que permitiu a Breuer inventar o método da catarse de rememoração sob hipnose, a cura pela palavra, Freud despertou para esta possibilidade. No final do século XIX, então estagiário no Serviço do Professor Charcot em Paris, Freud, desperto com o caso de Anna O., deparou com a histeria feminina ainda associada à feitiçaria e à possessão demoníaca. O neurologista Jean Martin Charcot estava interessado em descobrir uma base orgânica para a histeria e Freud e Breuer um sentido psíquico – Anna O. havia adoecido da doença mortal de seu pai, por amor a este.” (Malvine Zalcberg em Amor paixão feminina.)

De acordo com Malvine:

Freud, de volta a Viena, associou-se a Breuer e desta parceria resultaram os Estudos sobre a Histeria; o marco inaugural da psicanálise. Anna O. tornou-se a primeira histérica na história da psicanálise que reservou para a mulher um lugar privilegiado. Ela, Anna O., conduziu Freud e Breuer à descoberta de que o consciente não constitui o todo do psiquismo – nele há um aspecto inconsciente. Assim, a feminilidade e o inconsciente entrelaçaram-se na criação da psicanálise que, de certa forma, satisfaz uma das principais solicitações histéricas que é a de um saber sobre o sexo. Freud foi além de Breuer e Charcot reconhecendo, nos aspectos recalcados de Anna O., um componente sexual; descoberta que elucida a perspectiva psicanalítica de que a sexualidade transborda a relação sexual, alojando-se no campo do sintoma.

Outros tempos, outros sintomas, outras manifestações sintomáticas, “embora permaneça verdadeiro”, como diz Malvine, “que o que a histérica não consegue sustentar em sua existência, seu corpo o expressa.”

Nessa época dos estudos de Freud, as mulheres ainda tinham um único e imutável papel na sociedade. Em Moral Sexual “Civilizada” (1908), Freud critica a moral sexual repressora para as mulheres e “dupla” para os homens. As mulheres eram educadas de acordo com uma moral sexual baseada na “retardação artificial das funções eróticas” – fonte de sofrimento psíquico para elas. O desejo feminino não era bem-vindo. A “castidade feminina” que recompensava socialmente as mulheres com o lugar de esposas comprometia seu desenvolvimento psíquico, pois elas tinham que assumir o papel de esposa e a função de mãe, sem terem sequer se deslocado da posição de filha para a de mulher.

As filhas que se tornavam esposas também eram educadas por seus maridos. Eles – o pai e o marido – detinham o saber. A sexualidade feminina se constituía toda no discurso do outro: pai, marido, religião. E “toda” inserida no discurso do outro do patriarcalismo, ficava à margem da educação, cultura, linguagem, do saber permitido às mulheres. Supostamente, desejar um discurso próprio sobre a sua sexualidade era uma transgressão para a qual elas não estavam preparadas – podemos imaginar quantas mulheres sucumbiram na impossibilidade de falar da própria sexualidade.

Nossa sociedade é outra, diferente. Vivemos a liberdade sexual sem as restrições da moral sexual da época de Freud. As mulheres hoje têm múltiplos papéis; psiquicamente, não carregam mais o peso da armadura de um único papel, embora a sexualidade feminina siga o discurso de um outro que diz às mulheres em todos os lugares e a qualquer hora do dia, da noite, o que vestir, o que comer, aonde ir, com quem ir e até como “se dar bem”. A sexualidade feminina no século XXI é tão influenciada por padrões de beleza, saúde e sucesso que fica difícil de identificar os significados de cada um. Saúde, beleza e sucesso entrelaçam-se de tal maneira que se confundem, pois o que é saudável é belo e faz sucesso.

Deborah L. Rhode (autora de The Beauty Bias, 2010), no artigo “A injustiça da aparência” (The injustice of appearance, Stanford Law Review, 2009), aponta a aparência como um problema sério para as mulheres na contemporaneidade. Os investimentos na aparência somam bilhões por ano e homens e mulheres, mais as mulheres, evidentemente, investem tempo e dinheiro no que as deixa atraentes – impressionam as despesas (em bilhões) com cuidados e tratamentos para cabelo, pele, cirurgias estéticas, cosméticos, perfume; denominadas por Rhode “os custos da nossa preocupação cultural com a aparência”.

De acordo com Deborah Rhode, a aparência influencia na avaliação sobre competência e profissionalismo, sendo, portanto, associada a ambos. (Estudo da socióloga Catherine Hakim – Erotic Capital – confirma que pessoas com capital erótico, um conjunto de habilidades e atributos que as torna mais atraentes física e socialmente, têm mais oportunidades e ganham mais.) Rhode indaga sobre o que é ser atraente, esclarecendo que hoje este conceito provém de padrões predeterminados: a globalização dos meios de comunicação em massa e da informação tecnológica incrementou a cultura da aparência com padrões que definem o que é ser atraente.

A preocupação com a aparência começa cedo. As crianças vêm sendo ordenadas na cultura da aparência “naturalmente”, e as que não correspondem aos padrões de atratividade – crianças acima do peso ideal, por exemplo – têm apresentado dificuldades e problemas psicológicos. O estigma da obesidade persiste na fase adulta e mulheres acima do peso ideal são mais discriminadas que homens na mesma situação. Segundo Rhode, para muitas pessoas, a discriminação baseada na aparência parece justificável porque profissionalmente a aparência é relevante. E uma das formas mais comuns desse tipo de discriminação envolve o peso.

A advogada e professora da Stanford Law School defende uma proteção legal ou uma outra forma de reação social para a discriminação baseada na aparência por ela ser uma forma significativa de injustiça e por ofender os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Para Rhode, tal discriminação não deve ser tolerada. Ao contrário, deve haver um remédio legal para esta discriminação, pois quem possui características físicas imutáveis e impossíveis de se ajustarem aos referidos padrões ainda não pode contar com a proteção da lei. Rhode argumenta que quem fica fora dos padrões de beleza e atratividade, em geral associados a status, autoestima, competência, profissionalismo paga caro financeira e psicologicamente e quem investe tempo e dinheiro para obter os ganhos de uma aparência moldada por tais padrões também paga caro. Adverte: a sexualização da mulher valoriza o look em detrimento do mérito.

No teatro, a personagem Nora de Casa de Bonecas (1879), do norueguês Henrik Ibsen, ilustra o drama da mulher de sua época e também o da mulher de hoje. Nora se inquieta com o papel de boneca que lhe fora dado primeiro por seu pai e depois pelo marido. Ao lado de Helmer, Nora permanecia a mesma: boneca. Esposa, mãe e boneca. Sem direito a outro lugar no seu casamento, Nora parte em busca do seu desejo: tornar-se um ser humano; uma mulher. Ou mais de uma. Talvez muitas… Ou tão somente outra, tendo como ponto de partida o que ela não queria. Saber o que não se quer pode vir a ser o despertar para uma promessa – por vezes chegamos ao que queremos pelo o que não queremos. Contudo, entre a heroína Nora e a mulher de hoje há muitas calorias a mais no processo de subjetivação.

Tanto a mulher da época de Freud quanto a mulher de hoje precisam do olhar, da palavra do outro, sobretudo “das palavras de amor de um homem na constituição da sua subjetividade”, segundo a psicanalista Malvine Zalcberg. É preocupante que a sexualidade feminina – “uma construção complexa que envolve amor, desejo e gozo, a partir da falta” – sofra tanta influência desse outro da contemporaneidade que joga pra não perder. Mas as mulheres costumam ser astutas, com photoshop ou sem photoshop

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Viviane Campos Moreira.
Publicado no Amálgama.

(OBS.: para reprodução do texto em blogs, sites, portais, favor observar as normas do blog Amálgama. Favor citar os créditos como especificados no Amálgama. O Balaio da Vivi não autoriza a reprodução do texto de forma diversa ao que está regulamentado no blog Amálgama.)

*Queima em alta temperatura - forno a gás.
Catálogo cedido pela artista plástica Liege Mendes.

sexta-feira, 18 de março de 2011

TEMPO DE RECOMPOR


Sonia Roedel*
Foto: Miguel Aun.




ano novo na areia
pegadas de amores vívidos
fincadas na minha pele

negros olhos
miram-me sem rede
em um fulgurante reflexo

vindo do mar
reluzente
onde serena meu olhar liberto;

primeiro passo para o começo;
tropeço de uma gaivota
longe do berço

senhora das águas
divindade das marés
renova o fôlego do meu ser precário;

perdido na ternura que se esvai
envolto em delicadas promessas
absorto em lembranças

entregue ao tempo de recompor
sendo eu mesma
outra paragem:

à espera



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Viviane Campos Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS
Postado em videbloguinho.
Publicado na revista Mucury n. 9

*Queima em alta temperatura - forno à gás.
Catálogo cedido pela artista plástica Liege Mendes.

Mais: A PESCA.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Convite ao Pensar 2011

A partir do próximo sábado (12/3) começa o Convite ao Pensar (1º semestre), projeto realizado pelo Departamento de Filosofia da PUC Minas e coordenado pelo filósofo Sérgio Murilo Rodrigues.

O tema deste ano é a amizade e as palestras serão realizadas aos sábados, no auditório 3, prédio 43, da PUC Coração Eucarístico às 10h15. Entrada franca.

Informações:
(31) 3319 4540.

Programação:

12/3: "O sutra do coração e a amizade" - Vicente Amâncio de Oliveira.

19/3: "Uma coisa bela é uma alegria para sempre" - Haroldo Marques.

7/5: "Imagem de si no espelho do outro" - Jacyntho Lins Brandão.

28/5: "E a amizade dada não é amor?" - Márcia Morais.


Mais: entrevista com Sérgio Murilo Rodrigues sobre consumismo: 1ª parte; 2ª parte.

terça-feira, 1 de março de 2011

A PESCA


Suzana Cabral*
Foto: Miguel Aun.





na escuridão das águas profundas
encontrei a estrela de Nanã

em
mar
aberto
naveguei
muitas
histórias

no calor do meu silêncio
aprendi a ter esperança

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Viviane Campos Moreira.
Postado em Balaio da Vivi.
Publicado na revista Mucury n. 9

*Queima em alta temperatura - forno a gás - com óxidos.
Catálogo cedido por Liege Mendes.

Mais: CANTIGA CIGANA.