No comentário que eu fiz no Facebook sobre esta decisão do STJ (ministra relatora Nancy Andrighi) que condenou o pai a indenizar a filha em R$ 200 mil por danos morais decorrentes de abandono paterno, disse que o primeiro a defender isso foi o Rodrigo da Cunha Pereira - presidente do IBDFAM e advogado em Minas, em uma ação que chegou ao STJ, mas a turma que julgou o recurso, na ocasião, negou o direito a indenização por dano moral ao filho.
Na decisão desta semana, outra turma do STJ, partilhando outro entendimento sobre a mesma matéria, deu provimento ao recurso, reconhecendo o direito de indenização por dano moral à filha por ter sido abandonada pelo pai (em uma ação proposta em São Paulo).
Pelo que venho percebendo nas conversas, há um estranhamento em relação a esta decisão baseada no significado da palavra afeto - o que é afeto? Afeto é dar carinho? Afeto é ter sentimento? É gostar? É ter amor para dar e querer dá-lo? Mas e se o pai não quiser dar amor, talvez por não tê-lo, ele terá que indenizar o filho por não ter o amor que o filho quer receber dele? E se ele for processado, então ele paga o valor da condenação e fica tudo resolvido? Ele não deu amor nem vai dar, paga a indenização, e tudo certo? Isso significa cobrar afeto, em dinheiro? E que valor (monetário) teria então o afeto?
Não são perguntas descabidas. Mas penso que temos que contextualizar esta decisão do STJ em uma sociedade (como a nossa) fortemente marcada pela queda da função paterna. E penso que a definição de afeto encontra-se atrelada ao exercício da função paterna. Vai além do sentimento. Além do amor. Implica uma função: ser pai. Pai que cumpre a função paterna. Pai capaz de afetar o filho com o seu afeto. Afetar o filho na construção da sua subjetividade. O pai tem um papel fundamental e estruturante na subjetividade do filho. Ele, em tese, que instaura a Lei simbólica (Lacan). Ele é o terceiro interventor na relação mãe-e-filho. Por isso, a sua lei tem o seu nome - o Nome do Pai (Lacan). E é esta interdição que possibilita a separação do filho do desejo da mãe e o introduz na ordem do desejo "que vem da falta". Possibilita que o filho se torne sujeito desejante; torne-se capaz de ser ele mesmo seguindo o seu desejo, e não o desejo da mãe.
O afeto, segundo o advogado Rodrigo da Cunha Pereira*, tem valor jurídico e "sua negação deve ser punida" porque há uma perda enorme para a sociedade quando a função paterna está em baixa, ou seja, quando o pai não está cumprindo sua função - quando o pai não quer ser o Pai; quando o pai deixa de afetar o filho na sua subjetividade. Nesse sentido, devemos entender o afeto do pai: capaz de afetar. É mais que sentimento. Muito mais que dar carinho. E só o dinheiro da pensão alimentícia não basta porque não supre esta ausência.
Quanto ao valor da indenização, esta é uma questão do próprio dano moral. Não há como medir a dor de cada um. A dor é uma das experiências mais privadas do ser humano - remete à singularidade. A indenização por dano moral ainda que tenha essa complexidade no sentido de dar um valor à dor, ao sofrimento, possui uma função pedagógica importante. Serve para responsabilizar.
O filme O garoto da bicicleta ilustra bem a falta da função paterna. Conta a história de Cyril, um garoto de 12 anos, à procura do pai que não quer saber dele. Trailer: aqui.
*(Sobre afeto=valor jurídico. Fonte: Caderno Gerais - p. 21 - Estado de Minas de 4/5/12)
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Muito interessante. Até vou reler Lacan.
ResponderExcluirDepois digo algo.
O melhor para si
Oi, Alice!
ResponderExcluirLegal que vc gostou!
Pois é: mudanças no front.
O direito sendo convocado para responsabilizar...
Voltem sim, mais vezes.
Um abraço.