quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Janelas abertas



 Matisse


Em 2016, 
mais janelas, 
mais janelas entre 
o que se vê e o que não se vê.
Mais amar, menos amor.
Mais cores no cotidiano 
e mais 
belezuras dos pequenos gestos.

Saúde 
e paz.

*

A todos, um ano novo maravilhoso!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Uma noite e um desejo

Rafael


que
no céu
de cada um
as estrelas
acendam
todos
(e) mais
todos
os renascimentos
possíveis

*

a todos,
um Natal saboroso.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Flores, música & limoncello

Fragonard

Se você ensaiou aquele encontro das suas fantasias com um desconhecido, mas ele não apareceu; se você planejou passar um fim de semana na ilha dos seus devaneios com a ex-namorada da adolescência, contudo, você não localizou esse lugar no GPS; se você o convidou pra ir ao teatro, ao cinema, ao museu, ao show do Caetano e Gil, ou pra dar uma volta, e ele estava com preguiça de sair de casa; se você ligou pra ela seis sábados seguidos, e, em todos, ela havia levado trabalho pra casa; se você checou - ah sei que você checou - o perfil dele nas redes sociais, levantou a ficha dele na praça, investigou a vida dele com os amigos, se tornou a amiga de infância das irmãs dele, mesmo assim ele não percebeu seu interesse; se você ficou amigo dos melhores amigos dela, pagou contas de restaurantes, pubs e cafés, porém, não lhe mandou flores - como você não lhe mandou flores? - e se você, que não tinha mais tempo a perder, aceitou vários convites pra um encontro, mas não sentiu o olhar diferente do seu vizinho pra você - ah; se você conquistou uma rede invejável de amigas no Tinder, pensando que teria todo o tempo do mundo pra se curar daquele fora, no entanto, não se deu conta de que um novo amor estava bem perto de você; e você se desistiu dele porque no primeiro beijo vocês não dançaram a mesma música; já você se teve um sonho com ela, no estilo erótico rococó, mas ela não ficou mexida com as pinceladas eróticas de Fragonard no seu sonho; e você, se você saiu com vários homens e nenhum deles chegou aos pés do deus dos seus amantes; e se você saiu com várias mulheres e nenhuma delas desbancou o fantasma da bela que o persegue; e você, ah você, se torrou o resto das suas economias pra ir atrás do seu ex em Berlim, em vez de ir a Roma, onde estão as mais belas ruínas; e você, se enclausurado no templo da culpa pelos sonhos não realizados com sua ex, não descobriu o Panteão nem o limoncello da Piazza della Rotonda; e você, sim, você, se não é mais a diva do seu ex, mas não tolera ser ex-diva; e se você que nunca foi o príncipe da sua ex e ainda não se revelou um sapinho até simpático, pra você, e você, e pra todos nós, um poema em LED:

IDEIA FIXA

pare e
siga

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Viviane C. Moreira
Fonte: http://balaiodavivi.blogspot.com

Vídeo exposição de Fragonard:
aqui


*

Mais: MALBEC PARA MULHERES 


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Festa da poesia

 Café 104/ B. Horizonte
Lançamento Sobras Completas

Numa quinta-feira de novembro, em Belo Horizonte, no Café 104, um recital...
Uma noite com amigos, cerveja, poesia e com a alegria do poeta Jovino Machado.
Uma festa, um lugar e poemas.
Poeme-se - por que não?

Vídeo do recital: aqui

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Noite de poesia



No recital no lançamento de Sobras Completas do poeta Jovino Machado no Café 104/ B. Horizonte, em 26/11/2015 – Simone Teodoro, eu, Patrícia Maês, Soraya Monteiro, Daniella Zupo, Karine Faria, Irene Dias, Ed Marte, Elisa Pretinha, Ana Parisi e Jovino Machado.


Leitura do poema que adoro (entre tantos outros) do Jovino Machado.
O poema é do livro “trint’ anos proust’ anos”, de 1995, e está em Sobras Completas – antologia que reúne poemas de 1993 a 2013 + 20 poemas de 2015.

meus amigos falam bem de mim
50% é verdade
meus inimigos falam mal de mim
50% é mentira


*

Uma noite bela, bela.
Poesia, amigos e múltiplos encantos.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Quem vamos?


Lançamento de Sobras Completas, antologia do poeta Jovino Machado, hoje, no Café 104 - das 19h às 21h30.

Vou ler 3 poemas no Recital que será uma festa!

*

Mais sobre o lançamento de Sobras Completas: aqui e, no Facebook, aqui.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Recital do Jovino

 
Jovino Machado
 
 
meus amigos falam bem de mim
50% é verdade
meus inimigos
falam mal de mim
50% é mentira
 
*
 
Este é um dos poemas que vou ler no Recital no lançamento da antologia "Sobras Completas" do poeta Jovino Machado.
 
Há muito mais nessa festa: outros poemas e outros convidados.
Bora lá!
 
Data: 26/11/15, das 19h às 21h30 no Café 104.
Endereço: Praça Ruy Barbosa, 104.
Tel.: (31) 3222 6457
Site: http://www.centoequatro.org/

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Sobras Completas (Estúdio Guayabo, 2015) reúne os dez títulos lançados pelo poeta Jovino Machado entre 1993 e 2013, além de trazer uma seleção de inéditos em livro. O volume conta ainda com textos de Joca Reiners Terron, Luciana Tonelli e Mário Alex Rosa além de apresentação de Daniel Bilac.

***


Mais informações do lançamento de "Sobras Completas" no Facebook: aqui
 

sábado, 31 de outubro de 2015

Malbec para mulheres



Chuva sexta-feira à noite em Belo Horizonte no início de outubro. Inesperada. Um torozinho em uma primavera assombrosamente quente.
Melhor chamar o táxi depois da chuva sonsa.
Bolsa arrumada, espumante gelado, presente, batom, gloss… Tudo pronto.
Falta a sombrinha abandonada em algum lugar…
Uma trégua da chuva e ligo para a cooperativa de taxistas. Com sorte, encontra-se um táxi na noite chuvosa. Dez minutos, ele chega.
– Boa noite, você é a Viviane?
– Sim, sou.
– Temos que conferir o nome do passageiro, sabe?
– Sei. Por favor, iremos a esse endereço aqui. Não repare, meus óculos não couberam nessa bolsa pequena. O Sr. consegue ler o nome da rua nesse papel?
– Sem problema. Ah essa rua… Há outra que confundo com ela porque os nomes são muito parecidos. Você vai pra Santa Tereza…
– Isso. Lá mesmo. Mas não tenho referência. Não sei as esquinas, infelizmente. É a primeira vez que vou a esse lugar.
– Acho que sei qual é a rua, mas, por segurança, vou jogar no GPS. Não custa.
– E essa chuva… Nessa época…
– Sim, não é?
– Me distraí com ela e acabei esquecendo algo importante, acho. “Sempre que esqueço alguma coisa tenho impressão de que estou esquecendo, mas esqueço do mesmo jeito” – pensei. Bom, me esqueci de passar perfume. Até deixei o frasco separado…
– Ah que pena. Qual era o perfume?
– Bulgari, Omnia.
– Qual deles?
– Amethyste.
– O lilás! Muito bom! Bom demais! Cairia muito bem hoje. A chuva não vai durar, e a noite promete esquentar. Eu também não gosto de sair de casa sem perfume. Até pareço mulher. Vai ver que por gostar tanto delas, né?
– Pode ser…
– Só saio de casa cheiroso. De dia, uso um mais discreto. Agora, à noite, ou numa ocasião especial, um mais marcante. É o meu perfume, esse.
– Ah é? Interessante…
– Esse, para ocasiões muito especiais, é o meu perfume. Ando com ele no carro. É o perfume.
– É bom ter um perfume da gente, não é?
– Se é! Esse aí tem história…
– Ah gosto muito de histórias. Não conheço nenhuma com perfume.
– Uma paixão que durou 2 anos e ½. Sou casado, sabe? Mas fui pego por essa paixão mais amarela do que roxa numa idade… Tô com 45… Mas com fogo de macho novo. Achei que isso passaria… Não passou, nem passa. Eu e minha mulher estamos bem. Temos filhos. E ficamos bem, casados.
– Então você não quis se separar…
– A questão não era essa. Mas a paixão. A paixão, boa demais! Não esperava viver algo assim mais. Ela queria se casar, mas eu já era casado. Então ela se casou também.  
– E vocês puderam continuar…
– Aí que tá! Achei que seria assim. Até dei força pra ela se casar. Ela com 34… Incentivei.
– Então acabou?
– Ela ainda me liga, de vez em quando. A gente se encontrava à tarde… Era bom demais! Eu e ela no fogo cruzado da paixão, sem pedir licença. Sem pedir licença, sabe? Cama quente. Brasa pura. Quando a gente chegava a ir pra cama… Se desse tempo… Podia ser em qualquer lugar… Nossa, era bom demais! Bom demais! Sabe quando a química é forte? Muito forte? Mas forte, forte mesmo?
– Posso imaginar, não é? Mas o que aconteceu? As coisas pareciam favoráveis, não?
– Sim. Estavam. Fico pensando, sabe? Fico pensando…  Era bom demais! Era mesmo bom, muito bom. Bom demais!
– Então você tem saudade?
– Se tenho… Fico seco de saudade. Minha mulher não quer mais saber de sexo. Eu até achei que as coisas pro meu lado iam se acalmar – que nada! E…
– Vocês não se encontram mais?
– Faz mais de 6 meses…
– O que houve? Sua mulher descobriu?
– Não, não. Minha mulher é muito tranquila pra essas coisas. Sabe o que ela diz quando passo perfume?
– Não. O quê?
– Que isso é coisa de boiola.
– Ah… É?
– Essa paixão me pegou de surpresa. Eu achava que fosse sossegar… 45 com um fogo desse… Acho que não tenho jeito. Era bom demais! Muito bom! Transar com paixão é bom demais, né?
– Vocês continuam apaixonados?
– Apaixonado eu ainda tô por que… foi bom demais! Ela, não sei. Fico pensando… Era bom demais!
– O que houve?
– Então, da última vez em que nos falamos, ela me contou que dorme comigo todas as noites, até quando está sozinha.
– É?
– Ela deu meu perfume de presente pro marido. Disse que a casa toda tem meu cheiro. E, quando ele viaja, ela joga meu perfume no travesseiro. Disse que se enrosca nele, e a noite pega fogo.
– Ah…
– Esse perfume aqui… Só ando com ele. Bom demais!
– Olha, bacana o frasco. “O perfume nem se fala” – pensei rápido.
– Você tão elegante assim não pode ir à festa sem perfume. A chegada é muito importante, né? Chegar chegando é bom demais! Se você não se importar, por ser perfume de homem, posso te emprestar…
– Imagina se vou me importar. Por favor, o Sr. pode pôr 2 gotas e ½
em cada punho? “Mais do que isso, nitroglicerina pura” – pensei, sorrindo.
– É spray, mas tenho a manha de pôr pouco.
– Obrigada. O Sr. é muito gentil. Esse Malbec vai causar.
– Às ordens. Ah não se esqueça de esfregar o punho no cangote também… Bom demais um cheiro nesse canto.

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Crônica minha publicada no Amálgama

Minha página no Amálgama: aqui

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Simone de Beauvoir & Violette Leduc

 Sandrine Kiberlain e Emmanuelle Devos
 

Como convidada, Simone de Beauvoir (Sandrine Kiberlain) entra na história de Violette Leduc (Emmanuelle Devos) no filme Violette de Martin Provost. E, por acaso, se dá o encontro de Violette com o romance de estreia de Beauvoir: L’Invitée (A Convidada – 1943).

Violette impressiona-se com a espessura de um livro, um objeto sobre a mesa na casa de um conhecido: “quem é essa Simone de Beauvoir que escreveu um livro tão grande?” E assim como acontecem os melhores encontros com os livros, A Convidada é descoberto pela curiosidade de Violette. A partir desse encontro com esta obra de Beauvoir, a sedutora Violette forja um encontro com a escritora.

Não deixa de ser curiosa a troca de papéis entre escritora e personagem. Enquanto Xavière, no livro, é convidada para entrar na relação de um casal, um homem e uma mulher, Simone é convidada, no filme, para fazer parte de um outro triângulo amoroso: Violette, sua mãe e Simone. Após a leitura do manuscrito de L’Asphyxie (A asfixia), entregue por Violette, Simone aceita entrar na história em que Violette estava presa, como uma criança que não aprendeu salvar sua própria pele.

A asfixia (1946) é lançado pela Gallimard na Coleção Espoir, recém-criada por Albert Camus. O livro é elogiado por Cocteau. Simone lança, também pela Gallimard, O Segundo Sexo (1949), depois Os Mandarins (1954) com o qual ganhou o Prêmio Goncourt.

Ao longo do filme, Violette e Simone encontram-se e conversam sobre seus projetos. Simone revela a Violette que estava se dando conta da “montanha que precisava escalar” no livro que estava escrevendo sobre a condição feminina – ela se referia ao O Segundo Sexo.

De certo modo, temos essa impressão. Logo no Sumário, percebemos que estamos diante de uma montanha – menos pelo tamanho da obra (dois volumes), mais pela amplitude temática e pela forma de abordagem dos temas.

O primeiro volume Fatos e Mitos divide-se em Destino, História, Os Mitos e o segundo volume A experiência vivida, em Formação (Infância, que se inicia com a frase “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, A jovem, A iniciação sexual, A lésbica), Situação (A mulher casada, A mãe, A vida social, Prostitutas e cortesãs, Da maturidade à velhice, Situação e caráter da mulher), Justificações (A narcisista, A apaixonada, A mística) e A caminho da libertação (A mulher independente). Entre os dois volumes, a escalada de Beauvoir que escolheu falar sobre a condição feminina a partir do corpo.

Começa, então, o percurso de Beauvoir em O Segundo Sexo, a partir do corpo de fêmea que “não constitui um destino imutável para a mulher”. Para além do corpo que a faz ser “presa da espécie” e para além da “servidão da fêmea” cuja libertação ocorre na menopausa, está o seu “vir a ser”.
Todavia, para a mulher, a afirmação da individualidade, em termos de transcendência, historicamente mais pesada do que para o homem, pode se tornar mais pesada ainda, sobretudo quando ela nega seu destino biológico. A família, a educação, os costumes e as crenças predeterminam os papéis da mulher na sociedade.

À medida que Simone vai conhecendo a história de Violette, ela a encoraja a escrever sobre sua sexualidade e sobre o aborto feito no 5º mês e meio de gravidez, quando Violette estava casada. Como escritora que “não se escondia atrás das palavras”, Violette poderia “prestar um serviço às mulheres” – argumentava com assertividade.

Quando Simone incentiva Violette a “contar tudo” da sua história, podemos escutar Beauvoir em Os Mitos (3ª parte do 1º volume) em que analisa as heroínas de Montherlant, D.H. Lawrence, Claudel, Breton e Stendhal. Beauvoir aponta quem fala sobre as mulheres: os homens através das heroínas. A mulher ideal detrás da heroína revelaria ao homem algo sobre ele, mas a partir dele. Nos mitos as mulheres não se revelam.

A escritora que analisa a função dos mitos em O Segundo Sexo convence Violette a escrever sobre sua sexualidade. Pela própria narrativa, ela poderia conquistar um espaço na literatura, inventando-o, em que a mulher fala – e não os homens detrás dos mitos.

O livro Ravages (Destroços, de 1955; no filme, Estragos) de Violette Leduc em que ela fala sobre sua sexualidade “como ninguém falou, com poesia, verdade e algo além” é lançado pela Gallimard, com cortes. Mantida, no entanto, a parte do aborto. E, assim, uma mulher pôde falar com sua própria voz sobre aborto na França. Finalmente, Violette alcança seu público com o livro La Bâtarde (A Bastarda – 1964), com prefácio de Simone de Beauvoir.

A personagem Violette é uma heroína de “carne e sangue”, como ela diz, que faz uma bela travessia para se tornar escritora. Pela palavra tão viva dentro dela, a fantasia, que a aprisionava, a libertara. Simone sabia das possibilidades da força da palavra. E também sabia que a libertação de Violette levaria tempo, como O Segundo Sexo precisaria de tempo para ser compreendido.

Em outro filme, Os Belos Dias, de Marion Vernoux, Caroline (Fanny Ardant), uma mulher de 60, aposenta-se como dentista; não como mulher. Uma das coisas que pretende fazer na aposentadoria é ler O Segundo Sexo. Uma leitura tardia? Certamente, não. Nunca é tarde para O Segundo Sexo.


***
Em 1971, Simone de Beauvoir redigiu o Manifesto das 343, publicado em Le Nouvel Observateur, assinado por ela, Violette Leduc, famosas e anônimas que declararam ter praticado aborto – proibido pelo Código Penal de 1810 e decretado, em 1941, crime contra a segurança do Estado.*
Após os movimentos pela descriminalização do aborto, a Interrupção Voluntária da Gravidez foi legalizada pela Lei Veil em 17/1/1975 – homenagem a Simone Veil, Ministra da Saúde que defendeu na Assembleia Nacional Francesa o projeto de lei pela legalização do aborto.
Nos EUA, a legalização do aborto ocorreu em 22/1/1973, no famoso Case Roe versus Wade, em que a Suprema Corte Americana, por 7 votos a 2, julgou inconstitucional a lei do Texas e, consequentemente, todas as leis estaduais que restringiam, impondo condições, a prática de aborto nos primeiros três meses de gestação.
A Corte fundamentou sua decisão no direito à privacidade (decorrente da Cláusula do Devido Processo Legal da Décima Quarta Emenda da Constituição) que assegura a autonomia da mulher com relação à decisão sobre a interrupção da gravidez sem a interferência do Estado. Assim, Roe vs. Wade tornou-se um marco na luta das norte-americanas pela liberdade sobre o próprio corpo.
No Brasil, em 12/4/2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 2, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54) proposta, em 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), que a interrupção terapêutica da gravidez de feto anencefálico não é crime. Antes desta decisão, as mulheres precisavam de autorização judicial, que poderia levar alguns meses, para realizar o procedimento.
O Código Penal de 1940, que tipifica o aborto como crime contra a vida, não elencou a gestação de feto com má-formação e sem possibilidade de vida fora do útero entre as exceções em que o aborto não é crime. Foi preciso que o STF reconhecesse que não há conduta criminosa na interrupção da gravidez de feto anencefálico; com impossibilidade de vida.
A sustentação oral foi feita pelo advogado Luís Roberto Barroso, atualmente ministro do STF, que não deixou de se referir à condição feminina que “atravessou muitas gerações em busca de igualdade, em busca do reconhecimento de seus direitos fundamentais” e ao direito da mulher de não ser tratada como “um útero à disposição da sociedade”.
Estudos da Fiocruz apontam que a tipificação do aborto no Código Penal Brasileiro não impede sua prática. O aborto inseguro reconhecido como um problema de saúde pública na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo/1994) é praticado, sobretudo por mulheres de baixa renda. O abortamento é a 5ª causa de morte materna no país.
* moreiraVIVIANE C. MOREIRA é advogada em Belo Horizonte (MG)
Blog: www.balaiodavivi.blogspot.com
Facebook: https://www.facebook.com/viviane.c.moreira.5
* O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir (História, vol. 1, p. 180-181 – Ed. Nova Fronteira).
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O texto Simone de Beauvoir, a convidada de Violette Leduc foi publicado no Blog da REA (Resvita Espaço Acadêmico) em  Ensaios sobre Cinema, aqui: www.espacoacademico.wordpress.com/2015/09/16/simone-a-convidada-de-violette/

domingo, 13 de setembro de 2015

A COMÉDIA

nova.mente
linda.mente
paulatina.mente
sistemática.mente
maravilhosa.mente bem
- e até sincera.mente -
já suntuosa.mente e de$mente muito bem
mas terna.mente também
e meiga.mente megabem
porém sorrateira.mente
silenciosamente

em algum lugar
múltiplos orgasmos

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Viviane C. Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS

Mais: KIR & TULERIES

domingo, 30 de agosto de 2015

Quando o nada é tudo

Krum


Um homem vai para o estrangeiro, fica um tempo por lá e, tempos depois, volta para a casa da mãe sem ter visto nada. Sem ter encontrado nada. Sem ter descoberto nada. 

O homem que vivia num lugar que era chamado de buraco sai pelo mundo em busca de... nada. Retorna com o nada.

Krum, o nome dele, desse homem que, entre a gente, começa a contar sua história. Não disfarça nada. Não mascara o nada. Diz que viveu no estrangeiro e que nada encontrou. Lança um olhar desafiador pra gente, com a gente, na plateia: 

"- Vou escrever um romance que fala da mediocridade. Quem são vocês? Funcionários."*

Então, Krum reencontra a mãe de mãos vazias, com uma mochila apenas; dentro não havia nada. Reencontra amigos e a mulher com quem teve um relacionamento - romance não seria um nome para Krum e uma história de amor não lhe seria possível viver. 

Krum se reconhece um deles. Mais um entre eles. Um membro de um grupo de pessoas enlaçadas pelo nada. Queixa-se da própria inércia, mas se recusa a ir além das fronteiras da sua mediocridade e também da mediocridade coletiva. 

Aponta o nada para os outros: a vida que é nada. Ele fala do nada para todos, anuncia o nada, mas permanece atado ao nada que se perpetua na vida dele e na de todos. 

As mulheres casam-se com os homens de quem não gostam como uma saída para o nada que não dá em nada. Os homens aceitam se casar com elas e permanecem casados com elas, tecendo o nada. Pra nada.

O corpo da mulher sem saída, que se casa com um homem como uma saída do nada, despenca-se da cama que não está coberta pela pele do desejo. Um corpo de mulher em queda na noite de núpcias... A mãe de Krum, que quer experimentar uma fase nova na vida num corpo de avó, despenca-se no chão quando o filho desiste de se casar com essa mulher que se casa com qualquer um.

Uma das mulheres diz:

"- No século XXI, toda hora um cai e levanta e, mal consegue se levantar, já cai de novo."*

Corpos em queda nas ruas da vida feita de buracos. Viver não é mesmo fácil. Talvez nunca tenha sido. Inventar uma vida, no entanto, não precisa ficar restrito a poucos. Vida boa é a que a gente inventa. Afinal, podemos inventar na vida uma avenida larga com o nome cai&sara - por que não?

O personagem Krum que não começa a escrever seu romance lembra Jep Gambardella (Toni Servillo) de A Grande Beleza que está com 65 anos e não inicia o seu segundo romance. Contudo, são personagens muito diferentes. Jep é herói. Krum, anti-herói. O romance deste foi escrito na própria vida engavetada no nada.

(*Falas citadas não literais)

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Viviane C. Moreira
Postado em http:/balaiodavivi.blogspot.com

 

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Krum - Companhia Brasileira de Teatro
Texto: Hanoch Levin
Direção: Márcio Abreu
Com Cris Larin, Danilo Grangheia, Edson Rocha, Grace Passô, Inez Viana, Ranieri Gonzalez, Renata Sorrah, Rodrigo Bolzan, Rodrigo Ferrarini
Tradução: Giovana Soar
Adaptação: Márcio Abreu e Nadja Naira
Tradução do hebraico: Suely Pfeferman Kagan

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Enfim, juntos

Omar Sy e Charlotte Gainsbourg
 
 
Uma hashtag muito comum nas redes sociais, #tamojunto, pode significar justamente o contrário. Ora usada por solidariedade, em posts de luto, ora usada por camaradagem, em posts queixosos, ora usada para encerrar uma discussão boba com um velho amigo que reencontramos na rede, ou com uma nova amiga que acabamos de adicionar, mas que discorda radicalmente do nosso ponto de vista - na rede o ponto de vista nunca é de um.
 
O #tamojunto é uma saída, uma porta de emergência num corredor de argumentação exaltada em que pouco importa como se diz algo porque se acredita que algo tem que ser dito, ainda que não precise ser dito, sobretudo como é dito.
 
Ele nos salva de dores de cabeça que vão muito além da virtualidade. Entretanto, nos diz: estamos juntos exatamente no ponto em que discordamos; eu fico de um lado, o certo, e você do outro, o errado. Juntos? Não, mas tamo junto: euxvc.
 
A virtualidade talvez nos apresente os mesmos espelhos com que nos deparamos na nossa realidade. O próximo da rede é meu próximo até me mostrar a imagem que eu não fiz dele. Quando me deparo com a imagem dele que não corresponde à minha - a que eu fiz -, estranho essa imagem. Eu estranho esse outro com uma imagem distorcida. E como posso excluí-lo dos meus contatos, nem preciso olhar mais para ele. Um clique. Pronto. Ex-próximo. Ponto. Estranho.
 
No mundo além da virtualidade, contudo, o estranho pode estar ali, na outra sala, sentado em uma cadeira no escritório, à mesa de reuniões, e eu tenho que suportar sua presença, em carne e osso, e diferença. Enquanto converso forçosamente com ele, eu posso desviar meu olhar para meus próximos da rede que não são próximos - isso alivia? Pode ser que sim.
 
Há, no entanto, quem prefira o sobressalto de um olhar inesperado e a crueza de seus reflexos. E há quem prefira o afeto que habita nas camadas de beleza da pele, ainda que não esteja emocionalmente pronto para estar com o próximo nesse lugar: na pele.
 
Samba, filme de Olivier Nakache e Eric Toledano, de Intocáveis, com Omar Sy e Charlotte Gainsbourg nos convida a olhar para o estranho. Quem é ele?
 
Alguém que muda de lugar e cruza fronteiras. Alguém que aprende a língua do outro, uma língua estranha. Alguém que traz a dança no nome e, para sobreviver, precisa mudar de identidade. Precisa se passar por outros, estranhos. Precisa mudar de figura na dança da sobrevivência. Alguém que traz no nome a ginga, o movimento, o requebrado, o jogo de cintura. Alguém que aprendeu sambar na vida. Um homem que na condição de imigrante luta por um trabalho melhor que possa lhe garantir a sobrevivência com dignidade.
 
Quem é ela, a estranha? Alguém que se perdeu em uma única identificação. Alguém que se identificou tanto com o trabalho que perdeu sua própria medida. Alguém que se perdeu numa pele estranha, pré-fabricada pelo trabalho, esculpida na rotina casa-trabalho-casa-trabalho. Alguém que se prendeu numa pele desidratada de fantasias. Alguém que experimentou na própria pele o estranho pelo avesso. Quem é essa presença estranha em mim? Essa louca? O que esse ser estranho diz que não escuto? Por que deixei de escutá-lo? Quem não sou sendo quem sou? Uma mulher bem-sucedida profissionalmente que luta para ir além daquela que se tornou. Uma mulher asfixiada pela legenda que recobre sua pele.
 
A cidade: Paris. Cidade luz. A cidade dos romances. Cenário perfeito para o encontro. O homem que muda de nome e troca de identidade para sobreviver na Paris dos imigrantes encontra a mulher que não consegue ir além daquela que a asfixia. Tensão à flor da pele: mobilidade demais x mobilidade de menos. Um precisa do outro para ir além de quem ainda não são.
 
O homem de falsas identidades recusa-se a pôr a etiqueta depressiva na mulher que luta para se libertar da pele em que se prendera. Ele olha pra ela. E ela pra ele. Simplesmente.
 
No olhar para o outro, e não sobre o outro, eles se descobrem próximos, estando juntos. Apostam no eueooutro. Não precisam listar os mesmos gostos nem pôr na balança que um gosta de samba, mas o outro de jazz; um gosta de cerveja, o outro, de vinho; um, de Paris, o outro, de Nova Iorque. Não há tempo a perder com o euxooutro.
 
Eles escolheram estar juntos porque gostaram de estar um com o outro e estão juntos no mesmo momento: no começo do que pode vir a ser o melhor deles. Talvez seja este o destino do amor, quando o outro não é o inferno.
 
Poderia ser em Hollywood, mas lá uma linda mulher conquistou o coração de um homem no grande estilo dos contos de fadas. Paris, cada um tem a sua. Há a Paris de Sartre e de Simone de Beauvoir, também, a de Violette Leduc. Uma cidade e muitos cenários. Várias Paris em uma, a se descobrir em seus cantos, a se revelar na mágica dos seus encantos. E quem deixaria de viver um romance em Paris?
 
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Viviane C. Moreira
Publicado no Amálgama
 

sexta-feira, 3 de julho de 2015

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Monstros - inimigos ou amigos?

Aldebaran
Grupo Oficcina Multimédia - GOM
Foto: Daniel Protzner
 
 
Aldebaran, estrela cinquenta vezes maior do que o sol, brilha intensamente, tão longe, tão perto do coração dos homens. Guardiã do universo, brilha e brilha para resgatar o bem no homem e, assim, reconstruir um mundo novo com o belo que fora perdido para sempre pelo homem em seu planeta.
 
A estrela da reconstrução, no entanto,  aponta-nos para as faces do mal com que nos acostumamos e nos deliciamos, por vezes e repetidas vezes. Como se nos dissesse: o bem e o mal estão presentes  no homem - isso não é absurdo -  mas para que tantos disfarces para o mal? Não reconhecem mais seus monstros? Sendo assim, que tipo de sociedade vocês podem formar?
 
Aldebaran nos propõe a pensar nos monstros, ainda que estejamos muito presos em nossos mundinhos e nos nossos monstrinhos.
 
Talvez Aldebaran, a estrela, esteja a nos dizer: prestem atenção nas máscaras com que vocês vestem seus monstros. Elas são importantes, mas não abusem. Monstro é monstro. Eles existem e aprontam muito por aí.
 
Afinal, a quem interessa um mundo de monstruosidades corriqueiras? 
 
*
 
Aldebaran
Grupo Oficcina Multimédia - GOM
Fundação de Educação Artística (B. Horizonte)
Direção, roteiro, concepção cenográfica, figurino: Ione de Medeiros
Diretor assistente, figurino, preparação corporal: Jonnatha Horta Fortes
Com Escandar Alcici Curi, Gabriel Corrêa, Henrique Mourão, Jonnatha Horta Fortes, Marco Vieira, Nicolás Bolívar, Sérgio Salomão
 
Aldebaran irá representar o Brasil este ano, em julho, na França, no Festival Le Manifeste.
Mais informações: aqui
 
Página do GOM no Facebook: aqui
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domingo, 14 de junho de 2015

Nós dois

Fernando Eiras

Sei que não sou como você me vê.
Mas, pelo seu olhar, sei como você me vê?
Quem sou eu?
Quem é você?
Onde eu sou eu e você é você?
Reconheço os pigmentos, as tintas, os tons e os claros e os escuros 
e suas texturas na paleta daquele que me vê?
Quando me prendo na rede de cores do olhar do outro?
Quando me liberto?
E o outro? 
Quando se liberta das algemas do seu próprio olhar?
Onde habita o invisível?
Onde se esconde o abismo?
Quem se salva?
Quem se perde?
Quem se torna um... outro?
- "Aceitei o que você me deu."
"Poderíamos nos ajudar?"
 Van Gogh pergunta a Theo, seu irmão, em uma carta.
"O que significa ser amigos?"
"Ser irmãos?"
"Amar?"

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Viviane Moreira
Cenas inquietantes - Nós dois
Postado em balaiodavivi.blogspot

(Falas não literais)

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O outro Van Gogh - com Fernando Eiras
Direção: Paulo de Moraes
Dramaturgia: Maurício Mendonça Arruda

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Cor & Alma

Kandinsky
 
 
"A cor é um meio para exercer uma influência direta sobre a alma"
 
 
Kandinsky: tudo começa num ponto - "a exposição traz para perto do público um Kandinsky pouco conhecido, com produções variadas que tecem entre si uma obra maior do artista, experimental, multissensorial, como toda a essência de sua arte.
 
A mostra propõe um mergulho nas raízes do seu universo criativo, nas referências primeiras do artista, colocando, lado a lado, suas obras com as de seus contemporâneos e outras peças que são joias da arte popular do norte da Sibéria junto a objetos de rituais xamânicos.
 
Tudo começa num ponto, a frase antológica de Kandinsky, nos conduz para além das experimentações gráficas do artista e nos transmite a essência poética que aponta essa complexa trama de referências, vontades e sensações - muito mais que um ponto - onde tudo em Kandinsky começou."
 
Curadoria: Evgenia Petrova e Joseph Kiblitsky.
 
*
 
Últimas semanas - até 22/6/2015.
Entrada franca.
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - B. Horizonte.
Praça da Liberdade, nº 450.
Tel.: (31) 3431-9400.
 
Das 9h às 21h. Fechado nas terças-feiras.