terça-feira, 27 de março de 2012

Em Curitiba



No próximo fim de semana, o espetáculo Em algum lugar do grupo de teatro In-cena (Minas).

Mais sobre o espetáculo: aqui.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Separados, enfim


 
Não, eles não se entendiam mais. Falavam ao mesmo tempo. Juntos. A fala de um atropelava a do outro. A pausa para a escuta tinha dado lugar ao silêncio do ressentimento. O silêncio do naufrágio. Algo havia escapado deles irremediavelmente. Em algum lugar, em algum ponto – entre eles. Algo além do amor. Além deles mesmos. Algo que aparentemente não era motivo para um divórcio. Não era razoável.

Simin, a mulher, desejava um mundo novo. Um outro país onde pudessem viver uma outra vida. Diferente. Um outro tempo. O futuro. Nader, o marido, não podia deixar seu país, naquele momento, e abandonar seu pai doente. Simin pressionava Nader. Acusava-o. Dizia que o pai doente era uma desculpa para ele não enfrentar o desafio de uma vida nova, talvez. Para ele, aquela não era a hora de se separar do pai. Não era certo. Nader acusava Simin de desistir fácil dos problemas. Desejo? Fuga? Desculpa? Decência? Tempo de impasse.

O pai de Nader estava com Alzheimer e, quando Simin sai de casa, Nader passa a cuidar do pai doente, da filha de onze anos, da casa, mesmo não apostando na decisão da mulher, sobretudo na sua determinação. Ele acreditava na volta de Simin. Numa reconciliação?

Com a vida e a casa em desordem, Nader assume a responsabilidade e as tarefas que antes eram da mulher. Não se sai bem. Atrapalha-se. Exaspera-se. Perde o controle, mas resgata com o pai doente uma intimidade estranha. O corpo do pai doente não era o mesmo corpo do seu pai, mas um outro. Um corpo fragilizado de um homem doente no corpo do pai amado. Dois tempos. Passado. Presente. Quando Nader cuida do corpo do pai doente, ele se depara dolorosamente com o seu amor pelo pai. E reencontra, na sua impotência em relação à doença do pai, o seu amor ao pai. Dando banho no pai, ele redescobre a medida do seu amor. O corpo do pai permanece o corpo amado, com as marcas do tempo e da história de afeto entre pai e filho. O corpo amado do pai. O corpo do filho no corpo do pai. Este é um momento duro de cumplicidade amorosa entre filho e pai – alheio ao afeto de Nader pela mulher e pela filha. É uma outra história de afeto que passa pelo corpo. Desculpa? Decência? Afeto vivido na carne. Sem tempo para reprises. Tempo de despedida.

Nader acalma a filha dizendo-lhe que a mãe voltaria. Inverdade? Esperança? A filha tenta reconciliar os pais, ora conversando com um, ora com outro – no fundo, tentando entender quem tinha razão? O divórcio se confirmando, ela teria que ficar com um dos dois. Dores da separação. Onde os pais se perderam no casamento? Por que o divórcio? Não é assim racional como parece. A filha descobre isso. Três tempos. Passado. Presente. Futuro. Tempo de crescer.

Este pode ser o roteiro de muitas separações. Talvez por isso nos identifiquemos tanto com o drama de Nader e Simin – personagens do filme iraniano A Separação. Tão distantes e tão próximos de nós vivendo o momento da separação. O fim. O início de um novo tempo. Tempo de reinvenção.

Não foi muito diferente com a personagem Isadora, do romance Canteiros de Saturno, de Ana Maria Machado. Depois de conquistar seu próprio tempo, Isadora alcança o nome do seu casamento: vazio. E se assusta: “Quando pensou nisso, se assustou com a palavra vazio. Mais uma vez, essa deformação profissional. Não podia impedir, trabalhava com isso, sua função era analisar textos, ver o que eles escondiam e o que revelavam. E nunca antes tinha percebido que seu casamento podia ser descrito com a palavra vazio. Um sentido tão cheio.” Depois de descobrir a palavra que nomeava seu casamento, Isadora divaga: “Podia escolher o vazio, pensou. Agora, consciente. Sabendo que era vazio. Mas que era o preço a pagar para manter os filhos assim, tranquilos, docemente adormecidos, sem pesadelos, nem choros, nem sofrimentos. Ao lado do pai e da mãe. Sem dilaceramentos. Talvez não fosse um preço alto. Não estava apaixonada pelo marido, não vivia nenhuma dessas histórias de que sempre ouvira falar e que transformam um casamento num inferno. Não chegava nem a ser um purgatório. Apenas uma vida terrena, com os desgastes corriqueiros e o distanciamento crescente.”

Tempo de coragem. Desejo encoberto na trama de meias-verdades. Preso na rede voraz do tempo. Em algum momento, ele fala mais alto. Hora da verdade. Não há culpa. Há o desejo. Difícil de negar. Difícil de negociar. Tempo: presente.


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Viviane Campos Moreira.
Publicado no Amálgama.

sábado, 17 de março de 2012

VÊNUS DE BATOM VERMELHO




olhar de seda
língua de cetim
sorriso de bicho do mato
pele de nectarina na primavera

cachos da cor de milho
cheiro de capim-santo
beijo de canela-da-índia
quitute de amora-silvestre

moleque

pareces um passarinho
com folguedos e artes de menino
em busca do amor de um flamboyant
eu te quero solto assim

não te repreendo
se me perco toda em cada gesto teu
se me refaço inteira no teu desejo
se me capturo outra nas tuas narinas felinas

não vês o que sinto?
se vês, não sentes, pois não dizes
se não dizes, me maltratas
me corrompes

por que não revelas a mim o meu amor em ti?
não escutas em mim as ressonâncias da tua mudez?
embaraçada fico nesse laço
- torvelinho de mistérios, bordado de nós

ah, pintassilgo do meu tormento…


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Viviane Campos Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS.
Poema da série PRIMAVERA NO AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS

Postado no videbloguinho

*Peça de Ma Ferreira - Blog.

Mais: ESTAÇÃO PRIMAVERA.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Poesia em cena



Uma proposta do grupo de teatro mineiro In-cena no espetáculo Em algum lugar em que o roteiro dá lugar privilegiado à poesia. E quem disse que não há poesia no silêncio? No incômodo entre o passado e o presente? No confronto do que foi perdido e do que não se foi? Nas reticências do tempo...


* * *


Montagem: definindo como base o surrealismo, a proposta da peça segue uma linha experimental ao mesmo tempo dialogando com várias formas de interpretação, não priorizando em seu trabalho busca estética ou qualquer bairrismo com a forma de dialogar com a plateia. Também não deixando de pontuar junto ao texto poesias de Clarice Lispector, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade que enriquecem a obra e foi material fundamental de pesquisa para a construção da peça.

Com uma ideia atemporal, o jogo teatral se dá através de uma fragmentação tanto na linha textual quanto na cena propriamente dita, usando do silêncio que permeia toda a ação e que serve da dança contemporânea (marca dos trabalhos do Grupo In-cena), proporcionando ao espectador liberdade de várias percepções de uma única ideia, não se prendendo a contexto ou a qualquer outra forma, além do processo construtivo, deixando em aberto todo o trabalho de experimentação/construção de entendimento do que se quer mostrar, acentuando livremente o jogo entre plateia e atrizes.

Sinopse: duas atrizes em cena, num ambiente particular, onde cada uma vive suas dores ao mesmo tempo em que questionam a influência da outra em suas escolhas. Um reencontro onde se deparam com o maior inimigo do ser humano: ele mesmo! E nesse momento, elas travam uma busca entre a memória do que ficou no passado e a possibilidade de conviver com algo/alguém que já não se conhece mais... Elas se confundem com possibilidades do passado e vivem à espera de alguém que pode ou não chegar e que acreditam, ou não, que esteja EM ALGUM LUGAR! Dentro de um universo onde dor e amargura se encontram, o maior confronto pode acontecer a qualquer momento, revelando assim facetas que ficaram perdidas EM ALGUM LUGAR...


O espetáculo Em algum lugar estará em cartaz em Curitiba (PR) nos dias 30/3/12 e 1/4/12 no Espaço Cult.