segunda-feira, 31 de março de 2014

O silêncio de Nawal


Incêndios

A personagem Nawal (Marieta Severo) na peça Incêndios (Wadji Mouawad), em um momento da vida, se cala. De uma hora pra outra, Nawal fica em silêncio. Os filhos não entendem por que a mãe parou de falar e se ressentem com seu silêncio.  

Não conhecemos a relação de Nawal com seus filhos, mas percebemos que entre eles há um abismo selado pelo silêncio. A dor do silêncio afasta ainda mais filhos e mãe. 

Os filhos não conheciam a história da mulher que se tornou mãe deles. Nawal nasceu e cresceu na guerra. Amou e foi amada. Desejou e foi desejada. Sabia o que era o amor e aprendeu o que era o ódio. Engajou-se na luta. Entrou na guerra. Viveu a vida que tinha para viver com o que a guerra rouba da existência. Foi além das mulheres do lugar onde nascera e aprendeu ler e escrever. Ensinou crianças e mulheres a ler e a escrever. Também aprendeu cantar. Assim, quando não podia falar, cantava.

Eles, os filhos, não sabiam que mulher Nawal era. Descobrem-na depois que ela parte e lhes deixa a sua voz: um testamento em que eles teriam que cumprir o que ela lhes pedia. Morta, Nawal rompe o silêncio.

Como a riqueza da peça está na história e, sobretudo, no modo como ela é contada, não vou desvelar o silêncio de Nawal. Sua história é para ser escutada. Entretanto, para além da beleza da peça, interessa o silêncio da mãe que os filhos aprendem escutar. E, no lugar de testemunhas, nós, espectadores, também escutamos o silêncio de Nawal.

Depois do teatro, o silêncio da personagem nos acompanha. Por que escutar seu silêncio num mundo poluído de vozes e de ruídos? Quantos mistérios o silêncio pode guardar? E quantas revelações estamos dispostos a suportar?

Em casa, escutamos o silêncio do outro? A correria da vida que justifica nossa falta de atenção com o outro que amamos, de certa forma, nos faz terceirizar a cumplicidade silenciosa da intimidade. Muitas vezes, um terceiro nos revela algo de quem amamos e com quem vivemos. Segredos não partilhados. Histórias não contadas que conhecemos por intermédio de um terceiro que narra algo sobre aquele com quem estamos juntos - será que estamos mesmo? 

E na rua? Quando falamos, defendemos o quê? Será que defendemos a dignidade, a nossa e a do outro? Será que nos calamos quando teríamos que falar? E falamos quando teríamos que nos calar? Por que, cada vez mais, falamos tanto e não dizemos nada?

Quando Nawal fala, ela defende a dignidade. Quando se cala, protege o amor. Dignidade e amor. Voz e silêncio. Palavra e gesto. Tecidos do humano. Talvez o silêncio de Nawal nos indague: e vocês, por que se calam?

*

Dramaturgia: Wajdi Mouawad
Direção: Aderbal Freire-Filho
Com Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Márcio Vito, Kelzy Ecard, Fabianna de Mello e Souza, Isaac Bernat e Júlio Machado
Tradução do texto: Ângela Leite Lopes


sábado, 29 de março de 2014

TOSCO

Rebbeca Corradi
Foto: Miguel Aun
 
 
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foco
sufoco
oco
 
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Viviane C. Moreira
 
Mais: QUÍMICA


sexta-feira, 28 de março de 2014

Arte & encontro


Espanca!


Para que serve a arte? Se a arte é para todos, quem, no entanto, se permite encontrar-se com o desconhecido? Com o não definido? Com o não sabido? Com o não explicado?

Quem topa experimentar a arte como uma descoberta? Quem acolhe a potência dessa descoberta no corpo e nos sentidos? Afinal, quem se entrega a um encontro tátil com a arte? Com o assombro do desconhecido em si mesmo?

O que esconde aquele que se faz de crítico? O que ele não quer experimentar pela arte?

Estas são algumas reflexões a partir da peça O Líquido Tátil, do grupo Espanca! que comemora 10 anos em 2014. A peça integrou o Verão Arte Contemporânea (VAC) deste ano.

*

Texto e Direção: Daniel Veronese
Com Grace Passô, Gustavo Bones  e Marcelo Castro
Tradução do texto: Gustavo Bones


Mais sobre a peça: aqui

terça-feira, 25 de março de 2014

BH Restaurant Week


Última semana da Belo Horizonte Restaurant Week que se encerra em 30/3/14.

Participam deste evento 61 restaurantes que oferecem menus individuais com entrada, prato principal e sobremesa a R$ 37,90 (no almoço) e R$ 49.90 (no jantar).

Em homenagem aos "sabores do Brasil", os chefs criaram receitas com queijo canastra, cupuaçu, manga ubá,  melado de cana, tucupi, chocolate amazônico, doce de leite, goiabada e carne de sol.

A BHRW é uma realização da revista Encontro e Mica, com apoio do Estado de Minas.

Lista dos restaurantes e cardápios: aqui

sexta-feira, 14 de março de 2014

A feminilidade em cena

 
Cate Blanchett, em discurso de agradecimento ao Oscar 2014 de melhor atriz, por sua atuação no filme Blue Jasmine de Woody Allen, disse que filmes sobre mulheres dão certo. O filme tem ficado em cartaz por várias semanas em salas de cinema espalhadas pelo mundo.

Como Jasmine, outra personagem sedutora tem nos levado ao cinema: Joe, a ninfomaníaca de Lars von Trier. Já Meryl Streep e Julia Roberts, que contracenam em Álbum de Família (John Wells), levam-nos ao cinema para assistir ao drama de uma família de mulheres marcadas pela infelicidade que passa de mãe para filha. Tentamos entender a relação complicada entre a mãe (Meryl Streep) e as filhas.

Os filmes Álbum de Família, Blue Jasmine e Ninfomaníaca são sobre elas, as mulheres.

A personagem de Meryl Streep no filme Álbum de Família é viciada em pílulas. Dona de um humor sinistro, impiedosamente, usa a língua para ferir o outro – teria sido esta uma forma de se vingar do câncer na boca?

A língua de Violet (Streep), que fere com muita crueldade, também foi ferida. É uma língua maligna. Talvez ela carregue a língua ferina da mãe. A palavra na sua língua também machuca. Como uma navalha afiada faz sangrar o que há de pior no outro. Palavra que abre feridas que não se cicatrizam porque a língua que fere persiste como um tumor maligno. Não há palavra de amor que resista ao desamor que passa pela língua da mãe para a língua das filhas.

Foi assim com Violet e a irmã. Ambas se tornaram herdeiras da língua que fere. Aprenderam usar a palavra para enfraquecer o outro. E não desistiram de levar a sério o poder da palavra que fere. Não se permitiram abrir-se para uma outra palavra; a palavra de amor que vem do outro. Assim, não se perderam para depois se encontrarem novamente na língua do amor.

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A filha mais velha (Julia Roberts) volta à casa de Violet, sua mãe, que a acusa de não ter sido grata ao amor do pai, de quem ela era a filha preferida. Todavia, Violet reconhece na filha a sua força e a presença da filha forte em casa traz certo conforto à mãe.

Por sua vez, a língua da personagem de Julia Roberts não poupa o marido nem a filha. Seria ela, das três filhas de Violet, a herdeira da língua que fere? E talvez por isso temesse o retorno à casa da mãe? Que reencontro ela temia?

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Jasmine (Blanchett), desde criança, foi marcada para se destacar. Linda e amada como filha única pela mãe, embora tivesse uma irmã, preparou-se para viver num conto de fadas: uma vida de sonhos a se realizar com muito luxo. Jasmine conseguiu alcançar esse lugar para poucas mulheres e uma posição de destaque na alta sociedade, garantida por um marido milionário.

Mas nem tudo na vida de Jasmine é puro glamour, ainda que ela estivesse no lugar e no papel para os quais se preparou. O que faltaria a Jasmine, embora ela tivesse tudo? O que Jasmine queria mais do seu marido? Ser, entre suas mulheres, a única amada?

Joe (Stacy Martin e Charlotte Gainsbourg), a “ninfomaníaca”, descobre sua vagina quando criança e inventa brincadeiras para se divertir com esta descoberta. O pai escuta do lado de fora a diversão da filha e de uma amiguinha no banheiro. A mãe não presta atenção. Distante e indiferente, nada dizia à filha sobre sua beleza, sua esperteza, sua inteligência; muito menos sobre seu corpinho de menina. A filha é marcada pela palavra do pai, que é um homem da ciência – um médico que a leva para passear e aproxima a filha da natureza e seus mistérios.

Joe cresce e decide se livrar da virgindade e passa a viver sua sexualidade como uma brincadeira. Não quer saber do amor. Quando sua amiga lhe diz que “o amor é o ingrediente secreto do sexo”, Joe estranha esta fala e prossegue sem o amor.

A Joe o amor não interessa. O seu corpo e o sexo sem amor interessam-lhe. Preencher todos os seus buracos interessa-lhe, como bem disse Eliane Brum. O destino de Joe? Não sabemos, mas o filme (1ª parte) inicia-se com um corpo de mulher no chão; abandonado. Um corpo de uma mulher adulta que pode não ter sido marcado pela delicadeza dos dizeres do amor.

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Curiosamente, o título do filme foi escrito com um “o” aberto. Sugere, como foi dito em muitos comentários sobre o filme, o órgão feminino, mas também, um parêntese – o título pode ser uma legenda para a palavra ninfomaníaca; uma legenda para a etiqueta posta sobre a personagem. Entretanto, nesta etiqueta fez-se um parêntese que deixa aberto o que não se pode definir totalmente. A palavra ninf()maníaca, com parênteses dentro dela, não diz tudo.

Nas histórias contadas nos três filmes, ainda que algumas personagens não encontrem outras saídas, a feminilidade está para cada uma como algo a ser (re)inventado com criatividade, a partir das marcas de feminilidade da mãe, da irmã mais velha, da irmã mais bonita e sortuda, pois a criatividade vai além das etiquetas, como ensinam a psicanálise, a literatura e a arte. A criatividade é a fresta silenciosa que abre múltiplos caminhos.

A premiada atriz Cate Blanchett acertou: adoramos filmes sobre mulheres.

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Publicado no Amálgama

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