sábado, 2 de outubro de 2010

A dor que não se cala

Sublimação foi o tema abordado no trabalho apresentado por Ana Paula Paes de Paula em 24/9/2010 e por Eliana Rodrigues Pereira Mendes, em conferência em 25/9/2010, na XXVIII Jornada do Fórum de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais sobre sexualidade e inconsciente.

Ana Paula Paes de Paula apresentou O caráter dual da sexualidade humana: da perversão à sublimação*, levantando uma questão interessante sobre a “despervertização na sublimação”. Baseando-se na teoria de Freud sobre os três desfechos da sexualidade - o recalcamento, a perversão e a sublimação - Ana Paula falou sobre a dualidade da sexualidade entre a perversão e a sublimação. Nesta "a pulsão sexual se subtrai ao recalcamento" e naquela "a pulsão sexual resiste ao recalcamento". Segundo Ana Paula, "quem sublima também transgride", mas de acordo com a Lei (simbólica). Bem diferente, portanto, da transgressão na perversão que implica a recusa da Lei do Pai (Lacan): lei simbólica que impõe a incompletude e garante o laço social. Na sublimação, o sujeito, por aceitar a incompletude, acede ao desejo, pois a incompletude "é potência que possibilita ao sujeito prosseguir na pulsão de saber e de criar". Assim, o sujeito desejante afirma sua sexualidade no prazer. Na perversão, no entanto, com a recusa da incompletude, o sujeito não se desloca do gozo para o prazer. Tal recusa confere ao perverso a ilusão de um "gozo a mais". Desse modo, ele não afirma sua sexualidade no prazer. "O perverso usa o outro como objeto de seu gozo, não o enxergando como sujeito", de acordo com Ana Paula.

Nos debates, o coordenador da mesa José Sebastião Menezes Fernandes fez uma reflexão, como se diz, da hora: “-Está faltando a falta. A dor está sendo tamponada de todas as formas. Qualquer manifestação sintomática hoje é transformada em transtorno. A ordem é: Não se angustie. Consuma!”

Eliana Rodrigues Pereira Mendes, na conferência Pulsão e Sublimação: a trajetória do conceito, possibilidades e limites, referindo-se à sublimação como “o destino mais nobre das pulsões”, mencionou a criação da artista mexicana Frida Kahlo. A obra de Frida é notadamente marcada pela dor. Frida deu cores e vida à própria dor. E dela fez arte, como podemos ver no filme Frida.

Sem entrar na discussão sobre o que é arte e o que não é - o que seria de nós se não pudéssemos simbolizar, criar artefatos da dor? O que seria do mundo, da cultura, se não tivéssemos como recriar na tela, no barro, pano, papel, palco, espaço o nosso mal-estar, as nossas fantasias?

Em Freud, pensador da cultura (2006, p.557-558), Renato Mezan, ao tratar da sublimação, toma como exemplo os intelectuais (artistas, cientistas) que possuem “capacidade de sublimação pulsional elevada, cuja produtividade (obras plásticas ou literárias, descobertas e invenções etc.) surge de uma economia psíquica específica.” “A arte e a ciência dependem da capacidade de sublimação do sujeito, isto é, da reorientação de parcelas ponderáveis de sua libido para finalidades muito distantes da satisfação direta e que não obstante proporcionem prazer.” Por isso, eles são “o mais firme substrato da cultura” porque conseguem deslocar a agressividade em um fazer que lhes dá prazer, embora esse meio de obter prazer, segundo Freud, não seja acessível a todos.

Estaria a sublimação em risco com tantas ofertas e “ferramentas” disponíveis hoje para “tamponar a dor”? A violência exarcebada nas cidades, a frequência cada vez maior de práticas perversas dentro e fora do espaço doméstico, o incremento de condutas criminosas em que a vítima, o outro (mulher, criança) é tão-somente um objeto de gozo apontam para uma sociedade afastada da sublimação?

A falta faz sim muita falta hoje. E quem perde com isso é o próprio ser humano por não se constituir incompleto, faltoso, desejante. Sem a falta, não há a poética do saber fazer. O savoir faire fica restrito a poucos. Todos perdemos no final das contas - em beleza e transcendência.


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Viviane Campos Moreira.
Postado em Balaio da Vivi

*O artigo O caráter dual da sexualidade humana: da perversão à sublimação foi publicado em Cadernos do Fórum de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, nº 38 – setembro/2010.
E-mail: cpmg@cpmg.org.br

(OBS.: no texto, para acessar o trailer do filme Frida, clique no link, sob a palavra Frida em negrito e itálico.)

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Mais: A mágica do amor na conferência de Malvine;
Lei Seca e a Lei do Pai

2 comentários:

  1. Olá Viviane: obrigada pela citação. Um abraço, Ana Paula Paes.

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  2. Oi, Ana Paula! Legal vc ter gostado! Aproveito para parabenizá-la pelo trabalho que vc apresentou - muito interessante! Grata pela visita e volte mais vezes... Um abraço.

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