sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Sexualidade formal?

Oscar Wilde, crítico do puritanismo da sociedade vitoriana e provocador, dizia que a felicidade de um homem casado dependia das mulheres com as quais não se casou. Quando os próprios homens fizeram coro com os Rolling Stones em Let’s spend the night together, em 1967, uma outra mulher foi cantada.

- Não podemos passar a noite juntos? Não somos capazes de sustentar nosso desejo? Que liberdade é essa?

Mais ou menos assim, os homens ficaram ao lado da Nova Mulher, e uma outra cultura foi inscrita sobre os escombros de uma sociedade em que os homens exercitavam o direito ao prazer sem confrontos com a igualdade, dentro ou fora do casamento.

Rompidos os pactos com a opressão da cultura patriarcal, as mulheres tornaram-se responsáveis pelo destino da sua sexualidade. Novos tempos para homens e mulheres com direito igual ao prazer. Hoje, “vamos passar a noite juntos” pode ser o convite de um homem para uma mulher ou de uma mulher para um homem só por uma noite, ou não.

Mas o que pretendiam aqueles rapazes e moças bem-intencionados?

Sem os rígidos padrões e os velhos costumes, estaríamos bem resolvidos. Acreditava-se que a liberdade sexual era para ser vivida. Temia-se que a revolução sexual pudesse se tornar mais uma ideia vazia, como tantas outras… "É proibido proibir, tudo é permitido!” foi o slogan ideológico das gerações de 68.

Falou-se sobre sexo. Mitos foram debatidos. Não muito tempo atrás, as mulheres (mães desses rapazes e moças) não tinham espaço para falar de sexo, a não ser nos consultórios médicos. A sexualidade foi para a esfera política. E a política no lugar da repressão sexual mudou o cenário da sexualidade no mundo. O prazer desvinculou-se da culpa.

De lá para cá, o espaço da política foi surpreendentemente afetado por outros interesses. A aversão dos revolucionários a proibições relacionadas com a sexualidade, de certa forma, abriu caminho para uma perigosa permissividade no espaço dos debates.

Em entrevista a Maria da Paz Trefaut (Revista República n. 22), Jean-Claude Guillebaud, jornalista, ensaísta e pensador francês que participou dos movimentos de 68, disse que as conquistas na sexualidade foram apropriadas pela sociedade de consumo e desviadas pela lógica do mercado. E sobre a liberdade sexual, sentenciou: “Hoje, em termos sexuais, tudo é permitido e tudo é pago. Só há uma coisa proibida: a gratuidade. É uma derrota formidável. Nossas conquistas foram recuperadas, recicladas e instrumentalizadas pela sociedade do dinheiro. O sexo se tornou mercadoria."

Não é difícil enxergar as mudanças na sexualidade. Em espaços variados, a perfeição emoldura o espetáculo da vida de sucessos. Ficar bem na foto tornou-se uma exigência sem fronteiras no jogo da sedução narcísica. Da escola ao condomínio, da balada ao MSN, da sala de estar ao quarto, ninguém escapa dos apelos da forma bem-sucedida: nem crianças nem velhos. Todos somos público-alvo de um ordenamento compulsivo de vida em que tudo tem que funcionar sem falhas - nada pode faltar.

Hoje, os estilos de vida e o enredo dos encontros são marcados ou definidos, forçosamente, por padrões industriais e midiáticos de beleza e popularidade. Símbolos, modelos, agentes e cartilhas do ideal narcisista de felicidade entraram na tessitura do encontro amoroso e na vida de todos - homens e mulheres. Teria o prazer se moldado aos clichês do imaginário pré-fabricado pelo esteticamente correto ou pela última tendência repaginada da moda?

Ecos de 68 parecem nos dizer que entre corpos e mentes o enlace erótico nem tanto se faz ou pouco se faz com a matéria que nos pertence. O que é mesmo nosso nas nossas fantasias? O que nos traz o encanto do outro? O que nos encanta no encantamento do outro?

No momento em que o gosto pelo artifício sobrepuja o gosto pelo espontâneo, assumir o que nos pertence ou o que deveria nos pertencer na vida privada bombardeada de imagens e fetiches importados pode vir a ser um meio de sobrevivência do sujeito, do indivíduo, do corpo desejantes.

Quando a turma de rapazes e moças foi para as ruas nos anos 1960/1970 reivindicar liberdade sexual, a liberdade ficava em primeiro lugar. Se o amor roubasse a cena, tudo bem - eles queriam liberdade. Liberdade para criar e recriar a musicalidade própria do encontro amoroso. Liberdade que duas pessoas poderiam suportar. Liberdade.

*Texto em homenagem ao Grupo de Estudos coordenado pela psicanalista Inez Lemos, em Belo Horizonte.


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Viviane Campos Moreira.
Postado em videbloguinho
Publicado na revista Mucury n. 9


(OBS.: no texto, para abrir a letra da canção dos Stones, clique no link, sob Let's spend the night together, em negrito e itálico. Para abrir as páginas dos recortes do livro de Marilyn Yalom sobre as mudanças na sexualidade feminina, clique nos links, sob Nova mulher, Novos tempos, direito igual - em negrito e itálico.)

2 comentários:

  1. Olá!
    Sobre as mudanças na sexualidade, no texto, linquei recortes do livro "A história da esposa - da Virgem Maria a Madonna" de Marilyn Yalom (Stanford). No videbloguinho, postei vários recortes do livro - um trabalho dedicado de pesquisa sobre a história da esposa que remete às transformações na sexualidade feminina.

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  2. O link do videbloguinho: http://videcampos.wordpress.com

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