sábado, 13 de novembro de 2010

O Brasil hoje para o europeu

Yves Sintomer, professor de ciência política na Universidade de Paris 8, fala, em artigo*, sobre o olhar do europeu em relação ao Brasil. Como o europeu vê o nosso País hoje em termos de democracia, território, cultura, economia, sociedade?


BEM NA FOTO


Estamos bem "na arte e arquitetura contemporânea, embora no exterior a cultura brasileira não tenha mais o mesmo fôlego expansivo que tinha nos anos 1950 ou 1960, mas a vitalidade cotidiana - nas ruas, bares, clubes - ainda tem um charme incomparável.

As mais belas praias, com frequência, são situadas em zonas pouco visitadas pelos turistas estrangeiros. Estes não são muito numerosos tendo em vista as dimensões do país. O turismo verde brasileiro, que vem se desenvolvendo, permanece ignorado na Europa. A beleza física das pessoas continua impressionante, ainda que o visitante estrangeiro veja a proporção de indivíduos com excesso de peso aumentar, ano após ano, desestabilizando parte da mítica estética. A capacidade de sedução dos dois sexos, no entanto, parece intacta, e a mestiçagem segue desdobrando suas cores cintilantes.

A voz do Brasil hoje é respeitada no mundo. Quase todos os europeus conhecem o nome de Lula, enquanto poucos saberiam dizer quem é o presidente do México. O País está prestes a se impor como uma das potências do século 21. Não somente o crescimento econômico é impressionante, como ele faz com que milhões de pessoas saiam da pobreza. É animador ver que esse 'novo' ator global esteja resolvendo alguns dos seus problemas essenciais, oferecendo um exemplo para o resto do mundo.

A democracia brasileira é sem dúvida estável. O PSDB e o PT são verdadeiros partidos, com uma ideologia, uma estrutura organizacional, um programa mais ou menos definido, pessoas competentes nos seus quadros dirigentes etc.

A imprensa, embora com frequência orientada à direita, é livre e de boa qualidade.

A sociedade civil é ativa e diversificada. A partir dela, por exemplo, foi inventado o Orçamento Participativo, instrumento de gestão pública que se espalhou para o resto do mundo, deixando claro ser possível inverter o caminho das inovações políticas, que geralmente seguem do Norte para o Sul. O Fórum Social Mundial e o movimento altermundialista, que marcaram a agenda internacional, também nasceram nas cidades brasileiras.

No plano social, a última década marcou um limiar considerável. Agora é mais legítimo reivindicar um salário mínimo que garanta uma renda decente, um Estado que assegure educação e um sistema de saúde de qualidade, uma condenação às discriminações culturais etc. As bases simbólicas e materiais do Estado social começam a ser impostas, e esse desenvolvimento oferece um ponto de apoio contra aqueles que pensam que crescimento econômico rima com capitalismo selvagem.

A chegada do filho de uma família pobre à liderança da oitava potência econômica mundial é um símbolo marcante, assim como a eleição de Obama nos Estados Unidos. Outras potências ascendentes, a começar pela China, apoiam-se num sistema político autoritário. Desse ponto de vista, o Brasil oferece uma alternativa exemplar."



MAL NA FOTO



Não estamos nada bem na desigualdade social. "As diferenças de renda são absurdas. O luxo aparece mais do que no Velho Continente. E a miséria também, sobretudo nas ruas. O choque é ainda maior pelo fato de, no Sul e no Sudeste, o nível de riqueza estar se aproximando do da Europa do Sul. Não há dúvidas de que as despesas com saúde e educação, inacessíveis para os mais pobres, são consideradas um descompasso aos olhos daqueles cujos filhos puderam se beneficiar - da maternidade à vida adulta: da escola primária à universidade - de um serviço público de qualidade. A França ou a Alemanha também têm seus guetos de ricos, mas as classes médias não têm necessidade de se fechar em condomínios, clubes privados ou edifícios protegidos por cercas e vigias para viver em tranquilidade, em face de favelas e bairros populares onde seria perigoso colocar os pés. O desenvolvimento espacial separado das diferentes classes sociais é sintomático de um mal profundo. Ele contraria não somente o senso de justiça, mas também o bem-estar daquilo que é uma vida admirável.

Além disso, essas desigualdades e esse separatismo socioespacial são ligados à insegurança - infinitamente maior do que na Europa - que pesa sobre a vida diária de todos, e não somente no que se refere aos habitantes das favelas, embora estes sejam os mais atingidos.

Isso choca ainda mais pelo fato de haver uma relação entre as desigualdades de etnia e as de classe. Por quase toda parte, os negros são maioria entre os que efetuam os trabalhos mais penosos e menos remunerados, além de serem sub-representados nos quadros do poder, de prestígio e de riqueza - com exceção da música e do futebol. É verdade que conhecemos isso no Velho Continente, sendo que os recentes episódios 'racistas' do governo francês me enchem de vergonha. Mas nenhum dos meus amigos ou colegas europeus, no dia a dia, tem uma empregada em casa. E essa amplitude residual da domesticidade - negra, na maioria das vezes - não é um traço que projeta o Brasil para o futuro."


*Trechos do artigo E agora Brasil? de Yves Sintomer com tradução de André Rubião publicado em PensarBrasil, p. 10-11, 13/11/2010, Estado de Minas.


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