domingo, 20 de fevereiro de 2011

Normatividade já!

Parece ser este o grito de pais, mães e filhos. A normatividade hoje se confirma cada vez mais uma necessidade. Ou representa "o grande desejo" (como diz Elisabeth Roudinesco em A Família em Desordem) na atualidade? Ironicamente, um desejo de ordenamento em contraponto ao desejo de liberdade dos anos 1970. Por que clamamos por normatividade hoje em dia? Qual o papel que ela desempenha na vida privada, onde supostamente não precisaríamos tanto dela assim?

A psicanalista Inez Lemos no artigo Família e função social*, comentando sobre separações "mal resolvidas" que afetam os filhos, muitas vezes usados pelo pai ou pela mãe na vingança de um contra o outro, toca nessa questão.

* * *

"Vários fatores contribuem para a separação dos casais. A insegurança nas relações se ampliou tanto no contexto afetivo como social. Que amanhã nos espera? O desafio está em descobrirmos saídas que não nos oprimam. No fundo da questão, há a ideia de felicidade, que, contaminada pela lógica economicista, vicia o olhar da família. A anatomia das relações afetivas, quando envolve pais e filhos, revela distorção nos valores e na forma de conceber o mundo. Outrora, filho representava orgulho, era visto como o herdeiro de um nome, alguém que daria continuidade ao legado familiar.

A questão financeira era tratada de forma discreta e se restringia ao âmbito da família. Não era comum contabilizar os custos da educação da prole - hábito que hoje se tornou corriqueiro. Como podemos desejar jovens menos interesseiros se os educamos mais voltados para a conta bancária que para a conta da satisfação? Se o sentimento que cultuamos é o da competição, de levar vantagem a qualquer custo, como podemos esperar posturas generosas e amigáveis na hora em que eles, já casados, resolvem se separar?

A educação para o sucesso é um dilema ético para algumas famílias e instituições educacionais. Muitos pais exigem a educação patrimonialista calcada na desigualdade social e na prevalência do privado sobre o público. Algumas escolas justificam que aboliram do currículo o debate sobre cidadania por julgar relevante focar apenas nos conteúdos cobrados no vestibular. Espelhados no imaginário que circula na arena política, quando domina improbidade, e atentos aos rumos que a sociedade vem tomando, há pais confusos e questionando a educação embasada nos nobres princípios de honra e honestidade. (...)

Na verdade, o dilema ético é falso, pois o sujeito que cresceu cultuando valores, como honestidade e respeito à coisa alheia, sabe que postura e caminho abraçar. (...) Como repensar a família e a escola num contexto social e político esgarçado? Todo discurso necessita de um sujeito que o sustente. Não existe subjetividade avulsa, autônoma. A subjetividade, aquilo que expõe a conduta humana, constitui-se como efeito de discurso e de significantes. E, ao se promover no laço social, coloca o sujeito articulado aos pais e aos significantes. Família, escola e política - como desarticulá-las dos significantes de desonestidade e enriquecimento ilícito?

A lógica centrada na usura, no ideal de progresso material, no ganhar e vencer a qualquer custo, respinga nas famílias. Assim posto, é de se esperar que alguns casais, ao se separar, tenham condutas de revanchismo e vingança, cada qual marcando território e poder. O Estado, por meio da Justiça, só é convocado quando fracassa a ética na família - casais em que impera o espírito de competição e não de cumplicidade e colaboração. Resistente e ressentido com a separação, o parceiro inicia o processo de chantagem e manipulação. Sem escrúpulo usa o filho em sua jornada de vingança, colocando-o contra àquele que pediu a separação. Nesse momento, os adultos, seja o pai ou a mãe, agem de forma infantil e inconsequente. Pais magoados e rancorosos destilam ressentimentos sobre os filhos. Quando envolvem vinganças e condutas perversas, separações provocam sofrimento psíquico nos filhos, comprometendo seu futuro.

A questão não está na separação, mas no despreparo do indivíduo para enfrentar perdas e frustrações. Ninguém gosta de perder. A sensação de desvantagem, embora avassaladora, é da condição humana. O sentimento de preterido pelo outro é cruel. Essa dor nos derruba, deixando-nos com gosto de morte na boca. Com a alma seca, mendigamos afeto e amparo. Perder é se ver cara a cara com os limites da vida.

É importante lembrar que, para a criança não existe pai ou mãe ruim, ambos são queridos e devem continuar merecedores de um lugar no coração do filho. Cabe à mãe instituir o pai ao filho, é ela que o apresenta a ele, portanto, a imagem que o filho tem do pai é constituída enquanto tal pela palavra da mãe. Contudo, muitos pais não poupam os filhos e os envolvem na pletora de brigas e revanchismos. A separação de casais, por envolver crianças no conflito, é questão que o direito de família trabalha na interface com a psicanálise.

Ao reforçar a importância do direito na defesa dos interesses das famílias e na proteção dos direitos dos filhos, aplaudimos a Lei da Alienação Parental, que pune os responsáveis pelas crianças - mãe, pai, avós - que agirem desqualificando e dificultando o contato do menor com um dos responsáveis. Lembramos que o direito do filho ao carinho dos pais é inalienável."


*Fonte: Estado de Minas, Pensar (19/2/2011) p.3.

Mais: entrevista com Inez Lemos; Marx e a subjetividade.

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