terça-feira, 31 de agosto de 2010
Apaixonados pela beleza
Foto: Geraldo Magela.
Que beleza é fundamental, todos sabemos. Assim nos disse Vinicius de Moraes depois de pedir perdão às muito feias. Entretanto, o Humberto Werneck chamou nossa atenção para os mistérios do borogodó. Affonso Romano de Sant’Anna fez uma crônica para a mulher madura e os encantos do corpo “que já tem história”. Ao contrário do que muitos pensam ou acreditam, o corpo da mulher madura desperta fantasias. Já o Fabrício Carpinejar, falando da fealdade no Jô, disse que uma das vantagens em ser feio é que “o feio não tem nada a perder”. Os belos… Mais cedo, mais tarde deixarão de ser belos, pois a beleza como o amor também acaba.
Sábio foi o Paulo Mendes Campos quando não escolheu a beleza como tema da crônica “O amor acaba”. Paulinho, como dizia Vinicius, poetizou que o amor acaba em uma esquina qualquer, em um dia de semana qualquer, em uma cidade qualquer – até em Paris. “O amor acaba para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto”. Bem diferente da beleza que um dia acaba sem poder recomeçar. Então nos rendemos à sua efemeridade, por não ter outro jeito. Talvez por isso lutamos tanto pela beleza?
Violetta em La Traviata (Verdi) estranha o amor. Adorada nos salões parisienses por sua beleza, o acaso lhe reserva um encontro tardio com o amor. Ela, uma cortesã. Ele, um rapaz protegido pelo pai. Violetta se entrega ao amor de Alfredo, mas o preconceito e a hipocrisia interrompem a belíssima história de amor, separando os amantes. E quando eles se reencontram não há mais tempo. Beleza e vida marcadas pela dor, solidão, são vencidas pela doença. Violetta, que pedira a Alfredo para ele a amar o quanto ela o amava (“Amami, Alfredo"), morre nos braços do amado.
Não só as heroínas, mas também mulheres comuns, por vezes, conseguem enlaçar a beleza ao amor. Minha avó Heloísa foi uma dessas mulheres. Não era mãe de minha mãe nem mãe de meu pai, mas uma vizinha muito amada no interior de Minas. Uma baiana que tinha muita formosura. No final da tarde, todos os dias, ela se enfeitava, perfumava-se e mais bela ficava à espera do marido e pai de seus quatro filhos, que retornava do consultório por volta das sete. Quando ele chegava era um acontecimento. Às vezes, eu ficava pra assistir ao encontro. Sentávamos à mesa, e eu observava… O pão quentinho como ele gostava, a sopa, os olhares e carinhos, a conversa animada e as risadas das minhas lorotas de criança. Então, eu ia pra casa. Curiosa. No outro dia bem cedo, eu pulava da cama pra voltar àquela casa que tinha cheiro e dengo e encantamento. Chegava para o café da manhã. Olhava pra ela, ele, mesa posta… Eu queria estar entre eles novamente na primeira refeição do dia pra saborear a vida com a beleza e o amor.
Sempre que eu os revejo, penso no sentido dado à beleza hoje. Desde quando beleza precisa ter sentido? Sabe-se lá por que uns nascem tão belos e outros não? Ou por que razões o feio parece bonito para quem o ama? Por que nos ocupamos tanto com a beleza? Cometemos mais desatinos pela beleza que pelo amor. Ainda fazemos loucuras por amor. Algumas. Pela beleza, no entanto, não medimos esforços nem sacrifícios. Somos apaixonados pela beleza. Somos muito mais belos que amados. E mesmo não amados, somos belos.
Sobra beleza nos filmes, novelas, revistas, TV, teatro, internet, praia, shopping, academias, botecos, consultórios, escritórios, bancos, tribunais, escolas e empresas. Parece que o mundo deseja possuir a beleza, com tantas que há nele. Tem beleza demais e amor de menos. Beleza instruída de acordo com o senso estético do momento. Beleza idealizada. Conformista. Ousa pouco nas artes do amor e acredita que se basta.
O amor fica desconfiado com a beleza que não se revela. Ensimesmado, com a beleza que não o ilumina. E o que se guarda da beleza não é o arrebatamento do amor? A beleza que se dá pelo amor e se deseja amada? A beleza se refaz na narrativa do amor. Na memória encantada do amor. Na imaginação que recria a beleza do outro em um gesto, um olhar, um sorriso que nos encheram de amor. Beleza escandida nos recantos do amor. Beleza que ama. Faz sentido.
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Viviane Campos Moreira.
Crônica publicada no Amálgama
No texto, para abrir a página da crônica do Humberto Werneck, clique na palavra borogodó. Para saber mais sobre Giuseppe Verdi, clique na palavra Verdi entre parênteses. Para ver a ária de La Traviata, clique em "Amami, Alfredo" e acesse o vídeo.
(OBS.: para reprodução do texto em blogs, sites, portais, favor observar as normas do blog Amálgama. Favor citar os créditos como especificados no Amálgama. O Balaio da Vivi não autoriza a reprodução do texto de forma diversa ao que está regulamentado no blog Amálgama.)
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