Assisti, ontem, à peça “Tudo que eu queria te dizer” na programação do FIT 2010. Um monólogo baseado na obra de Martha Medeiros com Ana Beatriz Nogueira, comemorando 25 anos de carreira – um presente pra nós, espectadores! Ana Beatriz interpreta várias personagens com densidade dramática, cômica, alternando papéis, pulando de uma emoção para outra, às vezes passando de um extremo a outro, em que uma personagem cede lugar para outra.
Mulheres bem diferentes se revezam e falam, por meio de cartas, de seus medos, angústias, manias, fantasias, mágoas, ressentimentos, solidão. Revelam o assombro da paixão e do desejo despertados em algum momento inesperado de suas vidas. Estranham-se com o envelhecer, com o corpo que se torna “enfermo, sem estar doente”. Mulheres comuns partilham seus lutos, dores com um destinatário – um outro real, porque existe, mas imaginário. Um outro que elas conhecem, com quem convivem ou que está com elas ou faz parte da vida delas, mas a quem não dizem tudo. Algo que não foi dito, talvez por não poder ter sido dito, por ser da ordem do não dito, é dito por elas em cartas. Por cada uma delas.
Escapa-nos o que não conhecemos. Não damos conta mesmo de dizer tudo. Sempre nos resta algo não dito.
Para que servem as cartas? Kafka escreveu a sua ao pai. Mariana Alcoforado escreveu cartas de amor lancinantes ao seu amado que partiu seu coração. Cartas... Com declaração de amor, esperançosas, com pedido de desculpas, desesperadas. Cartas que pedem para ser escritas.
Foi assim que Elizabeth (Norah Jones) começou a escrevê-las em Um beijo roubado (filme de Wong Kar Wai), partindo a dor do desamparo. Ela conheceu Jeremy (Jude Law), dono de um café, quando descobriu ter sido traída pelo seu amor. Jeremy a escutava... Um desconhecido que se tornou seu amigo e se apaixonou por ela. Elizabeth não estava pronta para o amor de Jeremy. Preferiu partir e não ficar em um mesmo lugar. Trabalhou como garçonete em cidades pelas quais passava, e do outro lado do balcão - do mesmo lugar de onde Jeremy a escutava -, ela pôde conhecer o outro em seu desamparo. Assim, Elizabeth começa a compreender a dor do desamparo - a sua e a do outro. A mulher do outro lado do balcão não é mais a mesma Elizabeth, que conversava com Jeremy, mas uma outra. Em uma cena, ela diz a um cliente do bar onde trabalhava; um homem perdido em sua história de amor:
“-Algumas coisas ficam melhor no papel.”
Viviane Campos Moreira.
Postado em Balaio da Vivi.
Viviane: leio com prazer, no meio da madrugada,sua breve resenha sobre o papel que as cartas desempenham ou desempenhavam no universo de personagens que nos comovem e em grau mais profundo conhecemos precisamente porque se comunicamos e nos comunicam através das cartas. Estas funcionam, assim, dentro da vida e da arte, ou funcionavam, como uma janela que ilumina uma casa mergulhada na treva, ou pelo menos na incomunicação. O que me fica de frustrante, depois de ler o seu texto, é a imposssibilidade de conhecer a peça, talvez ainda o filme citado. Tudo mais vale e tudo mais é o que fica expresso nas suas palavras.
ResponderExcluirFernando.
Oi, Fernando! Que bom "ver" vc aqui. Lindo o seu comentário sobre a delicadeza da escrita das cartas. E fico nas nuvens por te fazer companhia no meio da madrugada. Grata pelo seu comentário. Volte sempre. Daqui eu sigo o seu belo blog: Literatura e Crítica Cultural - a propósito, eu o linquei na lista de blogs do videbloguinho. Bjoca.
ResponderExcluir