quarta-feira, 14 de julho de 2010
A trama do amor entre o homem e a mulher
Foto: Danie Maia.
A psicanalista Malvine Zalcberg esteve em Belo Horizonte em março deste ano para uma palestra no Círculo Psicanalítico. Com elegância, delicadeza e simpatia, Malvine tratou de um tema que interessa a homens e mulheres, em linguagem compreensível para quem não é psicanalista. Nem sempre os autores são loquazes ou nem sempre a linguagem do autor na escrita corresponde a da fala. Felizmente, este não é o caso de Malvine, autora de "A relação mãe e filha", "Amor paixão feminina" e "Qu'est-ce qu'une fille attend de sa mère?" ("Que é que uma filha espera de sua mãe?") - lançado neste ano. Na plateia formada por psicanalistas e psicólogos, havia advogados, jornalistas, economistas... e todos acompanharam a palestra com bastante entusiasmo.
Abaixo, uma síntese da palestra revisada por Malvine Zalcberg, que nos adverte no livro "Amor paixão feminina": "Para a mulher, não existe amor mudo."
Malvine falou sobre “Parcerias Amorosas Sintomáticas” e abordou questões sobre a trama de amor entre o homem e a mulher, partindo da premissa que “homens e mulheres não falam a mesma língua”. Embora a “relação sexual não exista”, como disse Lacan, porque homens e mulheres se relacionam com a lógica fálica mais do que entre eles, Malvine esclareceu que há relação com o sexo e ponderou que entre o homem e a mulher existe a contingência do encontro que passa pelo amor.
Malvine se baseou em Freud para explicar a relação do homem e da mulher com o falo. Comentou sobre a interpretação ultrapassada da “inveja do pênis” – as mulheres não invejam o pênis propriamente dito, mas o fato de o homem, em função de possuir no corpo um órgão que lhe dá um substrato para acreditar ter o falo, acaba tendo um representante de seu sexo no inconsciente, que é justamente o falo, e subjetiva seu sexo através de um “eu tenho”. A mulher, como não pode contar com nenhum apoio imaginário na ordem de seu corpo, não constitui um símbolo de feminilidade. Então, o que a mulher inveja no homem é ele ter esse significante masculino. Quando Freud se refere, por outro lado, ao “continente negro da mulher” é porque a mulher é cercada de mistério. A começar pelo fato de ela não possuir um símbolo de feminilidade; ela se torna indefinível em sua identidade: “A falta no corpo inscreve a mulher na falta”. Segundo Malvine, a mulher deve, por isso, constituir uma feminilidade possível a partir do “nada”, porque a mulher subjetiva seu sexo a partir do “eu não tenho”.
Depois de Freud, é Lacan que retoma a forma como homens e mulheres se relacionam com o falo, eles pelo lado do ter e elas, pelo lado do não ter. Há uma diferença fundamental na forma como homens e mulheres se relacionam com o falo: eles ostentam o ter, enaltecem a "propriedade"; são proprietários do falo. Mas este Ter não deixa de custar-lhes um preço. Os homens têm a angústia da castração: o medo de perder o ter. Este não é o medo das mulheres, que não têm nada a perder, supostamente. Contudo, elas precisam camuflar sua falta. "As mulheres vestem Prada" - alguém disse na plateia. De acordo com Lacan, a mascarada é uma forma de a mulher inventar sua feminilidade; de fabricar-se algo com o "nada". Sem dúvida, é de onde se origina a grande criatividade feminina. Em primeiro lugar, a mulher deve se criar ela própria. De menina inventar-se mulher. Na posição de filha, "a mulher deve constituir sua feminilidade a partir da relação com a mãe, com o modo como esta resolveu sua questão feminina". Assim, a mãe tem que ajudar a filha a se constituir enquanto mulher e tem que ajudá-la a se separar dela. A devastação na relação mãe-filha se dá quando a mãe não se separa da filha. Quando a mãe, dentre suas dificuldades em assumir sua posição feminina, mantém a filha presa a ela, não permitindo que a filha se distinga - distinga seu desejo e seu gozo dos de sua mãe - ocorre uma devastação em sua vida. A filha permanece (apenas) filha de sua mãe e não se torna mulher ela mesma.
Quando foi abordada a relação entre o homem e a mulher, Lacan foi citado novamente. Homens e mulheres são marcados por uma falta-a-ser. Ambos vão buscar o que falta – “o objeto precioso”; “um resíduo de gozo” - no outro. O homem tem uma posição fetichista no amor: ele busca o seu objeto de desejo e se interessa por uma parte da mulher. O homem ama uma parte e não o todo – “o que enlouquece as mulheres”, ressaltou Malvine. Na fantasia do homem, a mulher entra como objeto de gozo. O homem procura um objeto, um fetiche pulsional: “o homem tem um modo fetichista de amar”. A mulher, entretanto, é marcada por duas faltas. Uma falta-a-ser como sujeito, igual a do homem, e outra específica como mulher: a falta do significante do sexo. Na fantasia da mulher, o homem ocupa o lugar de mediador para que ela “acesse o ‘outro sexo’ representado por ela”: “o outro sexo do qual nada pode ser dito”. A mulher demanda amor para encobrir sua falta. Busca no homem algo que lhe dê consistência: “me diga quem eu sou”. A mulher exige que o homem fale para dar consistência ao seu ser feminino. Ela precisa do amor para essa mediação com o seu ser. “Ela precisa ser amada para ‘ser’”. Como disse Malvine no encerramento da palestra: “As mulheres querem ser amadas loucamente”. Com humor, acrescentou: “E não precisam vestir Prada”.
Sim, as mulheres queremos o amor, desejamos ser amadas e pedimos aos homens que falem. Tudo bem: insistimos. Solicitamos a palavra, o olhar do outro. Pelo amor, formamos o nosso ser feminino. Buscamos compor nossa feminilidade com as ressonâncias do desejo do outro: o outro que amamos e desejamos. A linguagem, o amor e o desejo do outro nos constituem. Na trilha do amor, desejamos o encontro com o outro que nos faz mulheres. Ainda que os homens nem sempre busquem o amor, eles também precisam do encontro amoroso para se tornarem homens bem resolvidos no afeto e na alteridade. Se seremos felizes ou não, este é um outro papo que passa pela Arte, sobretudo em saber fazer arte com o amor que nos é dado e com o que não nos é dado, pois “amar é dar o que não se tem” (Lacan).
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Viviane Campos Moreira.
Palestra de Malvine Zalcberg realizada no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais em 5/3/2010.
Texto revisado por Malvine Zalcberg.
Para acessar o site da Malvine, clique no link, no texto, sob Malvine Zalcberg.
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