quarta-feira, 15 de maio de 2013

Asas pra que as quero

Maitê & Clarisse
  
 
Duas senhorinhas. Uma tristonha. Uma alegre. A tristonha olhava para o passado. A alegre desviava-se desse olhar. Duas mulheres comuns. Duas senhoras com história.
 
Conheceram-se num asilo. Nos domingos, ambas não recebiam visitas. A alegre não recebia porque ficou sem o marido, sem os filhos - enterrou todos. A tristonha tinha filhos e netos, mas eles não a visitavam. A alegre percebeu que as duas não recebiam visitas nunca e se aproximou da tristonha. Assim, começaram a ficar amigas e não ficaram mais sós nos dias de visita. Nem nos outros dias.
 
O que as tornaram amigas? A solidão? A carência? A saudade? As tristezas? As alegrias? A vontade de viver num outro lugar? A aceitação de viver a vida que elas tinham pra viver naquele lugar? A velhice?

O que faz com que formemos laços com alguém que não faz parte do nosso passado? Uma pessoa estranha ao que fomos. Com quem não vivemos nenhuma história. Uma pessoa que conhecemos no presente. Hoje. Quando os nossos, com quem vivemos muitas histórias, se foram porque quiseram ir, porque foram levados pela morte, porque a vida seguiu por caminhos diferentes ou porque o afeto que era bom deixou de sê-lo e deixamos de nos gostar.

A velhice seria a afinidade entre elas? Uma afinidade temporal? Havia algo mais... Uma cumplicidade que só se dá pelo afeto. Uma capacidade de ir além do que um dia elas foram. Uma força comum pra viver o agora. O dia de hoje. E mais um dia.

Uma com a outra, enfrentando os dias de espera, mas se divertindo também. Inventando moda. A moda possível. Como bem nos adverte a tristonha: "a velhice não é pra covardes".


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*Peça À beira do abismo me cresceram asas, com Maitê Proença e Clarisse Derzié Luz. De Maitê Proença, direção de Clarice Niskier e Maitê Proença.



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