Mulher penteando o cabelo
Edgar Degas
Uma boa pergunta para o dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher. Como as mulheres têm se posicionado em relação a sua vida erótica? Sobretudo em relação ao erotismo que passa pelo seu corpo?
E os homens? Como o erotismo vem sendo vivenciado (supostamente) em tempos desfavoráveis ao "compromisso" com o outro? De que depende o erotismo?
E os homens? Como o erotismo vem sendo vivenciado (supostamente) em tempos desfavoráveis ao "compromisso" com o outro? De que depende o erotismo?
A psicanalista Inez Lemos discorre sobre o tema no texto Loucas por erotismo, a partir da leitura da obra Cinquenta tons de cinza.
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O extraordinário sucesso da série de novelas Cinquenta tons de cinza, o “pornô das mamães”, nos remete a
fantasias arcaicas – dimensões sadomasoquistas que habitam cada um de nós. Neste
particular, interessa refletir o que subjaz à fissura das mulheres pelo romance
de Érika Leonard James. Como explicar o
interesse pelo jogo de poder e submissão que domina a trama? Ao explorar o masoquismo
feminino nas relações afetivas, acredito que a autora encontrou o ponto, o fio
da meada. O que ela precisava para prender a atenção das mulheres – donas de
casa entediadas com a mesmice de suas relações sexuais. Interessa investigar os
motivos do sucesso de um romance vulgar e de excessiva pobreza simbólica.
Freud, em 1920, ao lançar a nova
teoria das pulsões, inaugurou o conceito de pulsão de morte situado além do
princípio do prazer. Significa que somos dominados por uma pulsão, que leva a nos
oferecer ao sacrifício, na busca do prazer. Há uma dimensão erótica no
sofrimento. A pulsão de morte, quando não tratada e controlada, pode dominar o
funcionamento psíquico. Equivale dizer que somos um misto de contradições,
sentimentos paradoxais. Quando esses interferem em nosso cotidiano, devemos
investigá-los – buscar ajuda, desconfiar de nossa saúde psíquica.
Pulsão de morte é gozo - prazer e desprazer. E, por ser da ordem do
inconsciente, se expressa de diversas maneiras, como: se deliciar com acidentes
nas estradas, comer excessivamente, se drogar, cultuar neuroses. Nem sempre
procuramos o melhor para nós, tampouco para aqueles que julgamos amar. Na cama,
há homens que não se interessam pelo prazer da companheira, resistem a debruçar
sobre seu corpo, prepará-lo para o prazer. Há algo de sadomasoquismo nos casais
– seja homem, seja mulher. Muitos acabam se submetendo aos caprichos de parceiros ardilosos
- tornam-se escravos de relações perversas. Há muito de sofrimento nas famílias,
que se unem em pactos mortíferos, cultuando a dor.
O que a mulher deseja é se sentir nas nuvens. Ela anseia por situações
que a eleve e a faça se sentir única, reconhecida em sua feminilidade. Um
parceiro que lhe garanta um lugar em seu desejo, tornando-a imprescindível. O imaginário
feminino foi construído com representações de inferioridade. Crescemos na
ilusão de que somos seres incompletos, uma vez que não portamos o representante
fálico. Sem uma elaboração refinada, sem rever aspectos de sua sexualidade, a
mulher pode se entregar, com facilidade, ao sofrimento. Posição que, muitas
vezes, a coloca refém de homens bruscos. Mendigas do amor - aceitam situações
desrespeitosas e humilhantes em troca de migalhas. Contudo, a mulher anseia ser
nomeada por um homem, conferir que ele necessita de seu corpo, seu beijo e sua
companhia. De que há algo nela que o faz urrar de prazer.
Como manter a chama da sedução em um cotidiano pouco excitante? Poucos
casais conseguem driblar. O erotismo caminha por ruas floridas, ruas distantes
da rotina. Para confrontá-lo, devemos romper o automatismo. Vida mecânica,
gestos petrificados – eis o roteiro ideal para um texto afetivo broxante. A
psicanalista Viviane Mosé em O homem que
sabe nos inspira, de forma honesta, a romper com o tédio - falta de vigor e
entusiasmo na vida: “A humanidade, que conquistamos com tanto investimento,
tende a nos transformar em autômatos. É o vigor, o excesso, o desequilíbrio que
nos protege desta robotização; a alegria, a dança, a sexualidade, o erotismo
interferem nos gestos e se impõem, desmontando a seriedade e a sisudez,
trazendo vida, intensidade, força”.
Como afastar o sexo da dimensão
biológica e enlaçá-lo em dança erótica - epifania que promete júbilo? Como nos
extasiar na cama sem perdermos a dignidade? Como privilegiar o corpo erótico, recusando
práticas que visem apenas instrumentalizá-lo? Como resistir ao mundo
estruturado no saber técnico, longe das intermitências do coração? Ao sermos
pautados pela tecnologia, perdemos a substância e nos submetemos aos comandos
externos. Dessubstancializados, vulneráveis, nos tornamos presas fáceis. Ao
sermos extraídos da condição humana, ao abandonarmos a concha primordial - marcas
que nos identificam e nos tornam únicos - deixamos de ser gente para nos tornar
objetos. Seres ocos, corpos vazios. A tecnociência, na ânsia de dominar o mundo
dos negócios, cooptou a alma humana, o sagrado; essência e tempero que movem
corações. Mistério que não pode ser violado.
O erotismo está no vínculo com o
outro, quando as substâncias de um se misturam com as do outro. Se não
conferimos sentido ao outro, se não imprimimos algo nosso na vida do parceiro,
vivemos suspensos, destituídos da própria pele. A alegria de se fazer mulher,
de plantar no outro o desejo de continuidade, pertence ao campo da conquista. Para
tocar estrelas - um pedacinho do céu - devemos suar a camisa. O amor exige mais
que algemas e chicotinhos. Exige viagens pelas ruínas, sabedoria ao vasculhar
entranhas, teias de contradições.
Laços, afetos. Queremos causar
sensações, emoções, mas não queremos nos jogar em planícies desconhecidas,
vales íngremes. O erotismo nos enreda, questiona nossa determinação em assumirmos
o desejo nas relações afetivas e sexuais. Até que ponto estamos contaminados
por escolhas que não nos dizem respeito, que escapam às fantasias primordiais?
Se pensamos e desejamos segundo um outro, se vivemos numa sociedade comandada
por interesses de mercado, quem define com quem e como vamos para a cama? Espero
que não sejam os best-sellers.
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