Um prédio. Um sábado. Uma festinha no salão de festas. Garotada do ensino médio. Música alta, altíssima. Gosto duvidoso. Creu-creu-creu-creuuuuuuuuu… e o tal creu não tinha fim. Sofríamos no 7º andar. Depois fiquei sabendo que a turma da cobertura no 13º também padeceu com o creucreucreu. Bom, mas quem não tem um adolescente em casa? É…
Nesse prédio, como em outros, câmeras foram instaladas na garagem, quadra, hall, pilotis, salão de festas, com exceção dos elevadores, escadas de serviço e guarita. Em reunião de condomínio, os elevadores foram poupados. A maioria dos moradores queria preservar os restos de uma privacidade possível. Imagino que muitas mulheres desejavam, secretamente, guardar um espaço mínino de intimidade, livre do alcance das câmeras, pra fazer coisas que não podem esperar e têm que ser feitas enquanto o elevador se desloca, com a máxima urgência – como retocar o gloss, o batom, arrancar um fio de cabelo branco insolente, pinçar um pelo rebelde da sobrancelha. Assim, os elevadores ganharam o status de ilhas particulares no mar de câmeras espalhadas pelo prédio. E as escadas de serviço, raramente usadas, dispensaram vigilância – outro território livre.
Ah, ia me esquecendo de dizer que no prédio há porteiro. Este ainda não foi substituído por um sistema eletrônico de segurança ultramoderno nem por seguranças – como está na moda. Nesse condomínio, o porteiro é alguém familiar. E, da sua guarita, participa da vida de todos. Ele sabe do jeito de ser de cada morador, da rotina de cada um, do estresse mal-educado de muitos, do habitual mau humor de outros e, de longe, do seu lugar, ele sabe quando a vida de seus patrões não anda muito bem; compreende o consumo de tarja preta no prédio. Porteiro mesmo, de verdade, não entende só de futebol.
Pois ia rolando a festinha: à tarde, de noite e madrugada. O interfone do prestimoso porteiro não parava de tocar: “-Vai lá, fulano, e manda abaixar o som – não aguento mais!” O interfone da guarita tocou 1,2,3 dezenas de vezes, e o porteiro, que era só um porteiro, o que podia fazer? A festinha… bombando. Bota bombando nisso! “-Ah, não, sicrano, assim vou ter que descer e acabar com a farra – dá um jeito aí!” O porteiro levantava-se de sua cadeira, cuidadosamente trancava a porta de vidro da guarita, ia até o salão de festas e pedia pra abaixarem o som. Então, voltava pra guarita. Repetiu este ritual algumas dezenas de vezes – e o que mais ele podia fazer?
A festinha rolando…
Tantas horas da madrugada, uma garota puxa papo com o porteiro e lhe diz que tinha transado nas escadas e, claro, no elevador social e também no de serviço – mais de uma vez. O porteiro, educadamente, sorriu. Entretanto, a garota, com uma leve expressão de contrariedade, queixou-se de não ter podido realizar todas as suas fantasias… O sorriso forçado do porteiro desapareceu. Na guarita espremida, ele percebeu que não tinha saída. Desconfiou que a garota queria que ele lhe emprestasse a guarita. Mas, porteiro que é porteiro não abandona sua guarita.
Constrangido com a indireta da garota, o porteiro não titubeou e chamou o síndico: “-Boa noite Doutor, acho melhor o senhor descer aqui porque tem gente querendo a MINHA guarita pra… É melhor o senhor vir aqui agora mesmo. A festinha bombou!”
O síndico desceu, com a cara que todo síndico tem nessas horas, e encerrou a festa. Deu uma bronca no porteiro por ele ter deixado a garotada ir longe demais. Mas o porteiro era só um simples porteiro…
Mais tarde, calmaria restabelecida, o porteiro na sua guarita, fitando os quindins e brigadeiros confeitados de bolinhas de baunilha e de chocolate arrumados em um pratinho, carinhosamente preparado pra ele pela avó do dono da festa, resmungou: “- Câmeras, sei.”
Há quem diga, no entanto, que esta é mais uma das estórias curiosas do Seu João – porteiro do meu prédio há mais de 25 anos.
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Viviane Campos Moreira.
Crônica publicada no Amálgama
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