quarta-feira, 12 de junho de 2013

Rubem Braga x Marc Chagall

Marc Chagall
 
Quando morou em Paris, como correspondente do Correio da Manhã, Rubem Braga entrevistou Picasso, Cocteau, Breton, Sartre, Prévert, Juliette Gréco, entre outros. Mas não fez as entrevistas como jornalista, seguindo o formato tradicional de perguntas e respostas. Braga fez o seu retrato dos entrevistados e fez crônicas com as entrevistas. Fez, portanto, o seu retrato de cronista.

Abaixo, um recorte de uma "discussão" entre Braga e Chagall em torno da cor azul.

***

“- Não, estou cansado. Não quero pintar mais hoje.
E me diz que pintar é um ofício penoso.
- Não se pode fazer as coisas demasiado depressa: não se pode mesmo fazer depressa. Cada vez que começo um quadro, sinto que estou recomeçando um caminho difícil, eu diria mesmo desconhecido e perigoso.
Compreendo o que ele quer dizer, mas arranjo um jeito de observar que, entre os grandes pintores, ele é, certamente, um dos mais constantes; conta sempre a mesma história, não tem essa porção de ‘fases’ que outros atravessam.
- Não, eu não conto histórias. Você acha que conto sempre a mesma história? Que história?
- Posso ter usado uma expressão errada. Eu quero dizer que o senhor nunca se põe a fazer cubos, naturezas-mortas, paisagens, nem mulheres nuas de costas, nem qualquer outro motivo além desses que vêm naturalmente de sua infância ou da imaginação de sua família.
E cito seu arsenal de imagens: as casinhas tristes de aldeia, um poeta ou um burro tocando violino, um casal de noivos que esvoaça sobre o telhado, um velho judeu barbudo…
Diz que faz mais do que isso, mas – ainda que fizesse só isso? Leva-me a ver seus quadros, para diante de um e de outro, explica coisas. Tenho a ideia de chamar a atenção para a cara de um homem, toda azul, no meio de uma composição. Como há pouco falamos de Matisse e de suas cores, digo:
- É possível que Matisse pusesse ali um azul mais claro, mas é quase certo que poria mesmo um azul. Não acha isso?
Ele concorda. Para valorizar as outras cores em volta ou pelo menos não fazê-las perder seu valor, aquele pedaço de quadro fica bem sendo azul. Mas pergunta se não tenho outra explicação para a cara azul.
- Sim, essa cara azul sugere a ideia de que se trata de um homem que já morreu, embora apareça vivo no quadro. Qualquer coisa como um tio-avô ou um rabino… De qualquer maneira, dá uma expressão intensamente triste, como se o azul fosse um símbolo de distância ou de morte…
Ele não gosta da palavra símbolo, mas fica extraordinariamente contente com a impressão que o azul me deu. Seus olhos brilham de entusiasmo quase infantil.
- Mas, é isso, exatamente isso. Essa cor tem um valor psicológico, você compreende muito bem. Não simboliza nada, mas tem um valor psicológico.
- Sim, mas esse valor, como a própria cor, depende muito das outras cores. O senhor não poderia pintar…
Ele me interrompe:
- Está claro, sei o que deseja dizer. Pelo fato de dar um valor psicológico a uma cor não quer dizer que eu não pinte. Faço pintura. Seria mais fácil fazer pintura apenas com as cores, as linhas, os volumes. Mas querer dar a isso um valor de sentimento não é perder de vista os valores plásticos, pelo contrário, é estudá-los mais a fundo.
Senta-se em uma cadeira perto da escada, sem deixar de me olhar, de me falar:
- É muito difícil… e, sobretudo, inseguro. Essa menina – entrou na sala uma garota de quatro ou cinco anos – minha filha, ela tem muita segurança em tudo… no que é real, no que é imaginário. Eu não tenho segurança em nada, no meio de um quadro me pergunto, com aflição, se não estou falsificando o que eu queria fazer. Não é apenas uma questão de cores…”
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Recorte de Discussão com Marc Chagall

Rubem Braga em Retratos Parisienses

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