sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O que pode a dúvida?

Grupo Tapa


Uma mesa e, em torno dela, doze homens escolhidos entre pessoas comuns da sociedade para julgar a conduta de um réu de 16 anos que teria esfaqueado e matado o pai. O filho criado pelo pai violento cresceu em um bairro também violento. A origem do réu e o ambiente onde crescera pesavam na apreciação dos fatos pelos jurados. Se o Júri reconhecesse a culpabilidade, o réu seria condenado à cadeira elétrica - a história se passa nos EUA. 

Começando a votação, 11 votos favoráveis à condenação do rapaz e um jurado que não tinha se convencido de que o réu havia cometido o crime. Esse jurado, um arquiteto, precisava de mais tempo, do que os outros jurados, para refletir sobre alguns pontos da acusação que o impediam de chegar à mesma conclusão dos demais. Propõe, então, uma nova votação. Assim recomeça a votação balançada pela incerteza de um único jurado. Afinal, o que ele desperta nos jurados? 

O arquiteto desvia o olhar dos jurados para questões que não haviam sido levantadas pela defesa. Numa espécie de jogo de espelhos e planos, ele traz para a mesa dos jurados o que não fora visto pela defesa. 

A maioria pressiona o jurado dissidente, mas ele insiste no debate com o intuito de trazer, à plácida mesa lisa das certezas, a dúvida. Ele não se dobra à pressão da maioria. Prossegue nas suas reflexões sob forte resistência e convoca todos a pensar. A mesa permanece no mesmo lugar, mas as certezas não.

À medida que as certezas vão sendo desmontadas, alguns jurados se comportam como se estivessem na plateia apaixonada de um jogo na final de um campeonato, como se estivessem em um estádio e não à mesa de julgamento.

De todo modo, a mesa das certezas já não era a mesma. O tempo para pensar, para refletir, para avaliar, para que se possa chegar à conclusão, sem garantia de que a conclusão a que se chega é a certa, esse tempo do exercício do julgar passou a compor a mesa. E o espaço da treta, como se diz, tornou-se um lugar do debate. Os 11 votos a favor da culpa do réu se transformaram em 11 votos a favor da sua inocência.

Podemos sentir nas nossas peles o mal-estar da falta de debate. Podemos nos ver entre os jurados e para além deles. Mas quanto a nós, jurados de plantão, pelo menos na internet, será que temos dado tempo e espaço para a dúvida? Será que estamos preparados, como o jurado arquiteto, para inventar um lugar possível para o debate?


*

A peça Doze homens e uma sentença esteve em cartaz em Belo Horizonte nos dias 9 e 10 de agosto de 2017 no Cine Theatro Brasil Vallourec.
Direção: Eduardo Tolentino.
Texto: Reginald Rose.
Tradução: Ivo Barroso.
Grupo Tapa: site aqui
Página da peça no Facebook: aqui

Um comentário: