segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Depois do silêncio

Acácia azuk

um homem que pelo nariz de Mastroianni e pelo cabelo cinza liso e farto poderia ser italiano e pelo corpo grande até poderia ser alemão, mas não poderia ser nem sueco nem francês, me disse na sua branca e (trans)lúcida biblioteca: “não vou te dar nada”; eu estava sonhando, no entanto, acordada eu estava quando um homem de uns 45 anos, um homem que sabia das coisas, me pediu que segurasse sua mão; ele não sabia o que era dar a própria mão a uma mulher; ele não estava à beira da morte e eu não estava amortecida quando um outro homem, desses que gostam de se passar por misteriosos, à queima-roupa, me perguntou: “pode um poema se dar em pedaços? veja bem, um poema pode em pedaços se dar?” eu estava descalça e nua em um chão que não era meu e não estava dormindo quando vi um homem dançar com as palavras. eu vi o rosto dele dançar. eu vi o corpo dele dançar. eu vi a pele dele dançar. eu vi os poros dele dançar. eu vi as narinas dele dançar. eu vi a laringe dele dançar. eu vi os pulmões dele dançar. eu vi os dentes dele dançar. todo ele eu vi dançar com as palavras. um homem eu vi cantar as palavras. um homem eu vi enfeitiçar as palavras. ele não trabalhava no circo, mas era um homem de circo, sim, era; eu vi esse homem possuir as palavras além do corpo delas e eu estava ali, com ele, mas obcecada pelo não gesto, eu estava pelo resto. pela sobra do que foi dito com o peso de como foi dito e, por acaso, no não lugar que existe depois do que foi dito, eu estava, quando um homem me pediu que escutasse seu silêncio – eu já o amava.

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Viviane C. Moreira em AMOR EM PEDAÇOS & VERSOS
*Peça de Acácia Azevedo: Blog

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