sábado, 19 de outubro de 2013

E a morte, Vinicius?

 
No ano em que se comemora o centenário de Vinicius de Moraes, que adorava falar da morte e sobre ela falava com encantamento, entre muitas perguntas que gostaria de fazer ao poetinha, a primeira seria:

- E a morte, Vinicius, como vai?

A morte, sim. Como anda a morte?

Mas por que a morte, com tanta coisa que não vai bem? Os encontros não vão bem – mal, mal acontecem. E quando chegam a acontecer, os amantes pouco se dão e logo, logo se perdem no desengano do encontro amoroso. Os encontros não resistem aos espelhos que se estranham, quando um não se reconhece no outro. Haja encontro para tanto engano. E o tempo, cada dia mais curto, não sobra para os amantes. O excesso (ou a falta) de trabalho, a falta (ou o excesso) de dinheiro e a insatisfação com a busca de uma felicidade inalcançável extraem dos amantes a poesia para saborear o amor que não gosta de se apressar. É! A arte do encontro não anda nada bem.

A paixão também não. E não venham dizer, como escuto volta e meia, que paixão vem de pathos, que significa sofrimento, doença, logo paixão bem não faz. Não é da paixão que levamos para o divã que estou a falar. Não venham dizer que a paixão faz mal ao amor ou que o amor e a paixão não combinam ou que o amor que dá certo – quando dá! – é o amor sem paixão, como se fosse fácil separar amor de paixão. Nem fácil nem didático.

E quem foi que disse que o amor dispensa a paixão? Coitado do amor. Tão pouco compreendido. Tão pouco vivido. Falam tanto do amor, mas se esquecem da paixão que todo amor que se preza carrega consigo. Em cada amor, há uma paixão escondida, doida para se desvelar. Doidinha para se despir de suas próprias loucuras. Mas quem sou eu para falar do amor… Só estou a dizer que o amor com paixão também não vai bem.

Já a beleza vai muito bem. As mulheres tanto amadas e apaixonadamente desejadas por Vinicius estão cada dia mais belas – em todas as idades. Aos 15, aos 20, aos 25, aos 30, 40, 50, aos 60… A terceira idade agradece seu bem-estar aos recursos da medicina estética. Aos cosméticos. Aos alimentos light, diet, orgânicos. Ao yoga, ao pilates. Aos grupos de leitura. Aos grupos de estudo. Aos grupos de gastronomia. Ao teatro. Ao cinema. À literatura. À filosofia. À psicanálise também. As mulheres hoje são belas e interessantes. E parece que só a beleza não basta. Diversificaram-se os interesses das mulheres. Solteiras ou casadas, as mulheres andam mais interessadas e, portanto, mais interessantes. A quem Vinicius pediria perdão hoje?

Ops! Esta seria a segunda pergunta… De volta à primeira, perguntaria a ele, que tanto entendia da morte, como vai a morte. Não a morte em vida. Esta que vemos por aí e se tornou muito comum. A morte: o termo final da vida. Como ela anda? Por que a morte não desperta mais nenhuma paixão? Por que não reconhecemos mais na morte a beleza da sua feiura? Por que fingimos que a morte não vale nada se, pelo contrário, vale tudo? Ou a vida não é tudo?

Houve um tempo em que bravos guerreiros morriam em batalhas sangrentas a serviço de seus imperadores. A morte dignificava o homem que perdia a própria vida na guerra. Com sangue, a morte fazia a vida valer. Sangue, morte, vida.

Vida, morte, sangue. Hoje, por nada, morremos. Diariamente. De bobeira, morremos. Estressados, morremos. Panicados, morremos. Anestesiados, morremos. Indiferentes, morremos. E vamos levando a vida assim. Sem sangue. Sem paixão. Sem o calor da vida que temos para viver. Amortecidos. Fazemos corpo mole na vida. Esperamos dela demais. Queríamos que ela fosse mais generosa. Queríamos até trocá-la por outra vida. De uns tempos para cá, o que mais dizemos: não dou conta. E a vida “que é pra valer e uma só” corre. Ligeira.

Pois é, poetinha! Você que tudo entendeu da morte e foi muitos Vinicius, o que diria do nosso pouco caso em relação à morte? Ou à vida? Bobagem minha. Você já respondeu: “a vida só se dá pra quem se deu”.

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Crônica minha publicada no Amálgama
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