Texto meu sobre o processo da oficina do cotidiano, coordenada por Carina Gonçalves, autora de "nada acontece" (Urutau), realizada nas Estratégias Narrativas, em Belo Horizonte. Jurema - lançamento em 16/2 na Feira Textura que este ano entrou na programação do Verão Arte Contemporânea (VAC) - é fruto dessa oficina.
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Uma coisa pode ser uma outra coisa sem deixar de ser o que é. Pode ser a própria coisa transformada.
O mictório levado por Marcel Duchamp para o museu, por exemplo, não deixou de ser mictório. Foi deslocado do lugar da sua função e do seu significado para um outro lugar em que pôde ser observado à maneira própria de cada espectador. Outros sentidos puderam ser dados ao mictório transformado pelo olhar do espectador.
Deslocamentos estão na gênese dos nossos textos que foram escritos ou reescritos na oficina sobre o cotidiano, coordenada por Carina Gonçalves.
A “rotina como material de vida” foi nosso ponto de partida e o cotidiano, nossa fonte de inspiração. “Acontecimentos, estranhamentos, instantâneos, experiências estéticas e personagens ambientados no cotidiano”.
Roubamos cenas e nos apropriamos de objetos. Inventamos histórias para pessoas que não conhecemos, mas costumamos vê-las na rua, no ônibus, no elevador, na praça e até para pessoas desconhecidas em uma foto com nome, lugar e data no verso.
Observamos traços, gestos, hábitos, expressões e escutamos conversas de pessoas desconhecidas ou conhecidas. Até nossas manias foram observadas – por que não?
Manias, traços, gestos, hábitos, expressões, falas. Cenas entre o fora e o dentro. Frases. Objetos e seus deslocamentos. Textos em movimento. E, entre eles, o corpo.
O corpo do real. O corpo do que não existe. O corpo do silêncio. O corpo do poema. O corpo da narrativa. O corpo do texto. Entre esses corpos, o corpo de linguagem de cada uma das sete mulheres atravessado pelo ordinário.
Sete mulheres e o desejo de deslocar seus corpos de linguagem na cidade. Seis mulheres e a história de uma lata de ervilhas encontrada na rua, um dia desses, por Carina.
Uma lata de ervilhas, com sua história transformada por outras histórias, virou capa de livro. Mas a lata de ervilhas pode não ser uma lata de ervilhas, como o cachimbo do René Magritte que não é um cachimbo, mas uma imagem que representa uma ideia que recria a realidade para além do real – uma realidade com ambiguidades.
A lata que não é uma lata de ervilhas foi criada por Guilherme Toledo para representar uma ideia que foi transformada em livro por mim, Beth, Carina, Glau, Isabelle, Olívia e Thaís.
Um livro com textos escritos a partir de coisas e de coisas que não são coisas do cotidiano. Pronto para o consumo. Fácil de abrir e de usar. Sem prazo de validade. E reciclável.
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Lançamento JUREMA: Feira Textura – sábado, 16/02/2019, 11h-17h, Agosto Butiquim, rua Esmeralda, 298.
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Viviane Moreira escreve, há um tempo, crônicas e poemas que falam de amor, desejo e outras paixões. Advogada e blogueira, mora em Belo Horizonte.
Texto originalmente publicado no blog das Estratégias Narrativas, por Laura Cohen.
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