Como Jasmine, outra personagem sedutora tem nos levado ao cinema: Joe, a ninfomaníaca de Lars von Trier. Já Meryl Streep e Julia Roberts, que contracenam em Álbum de Família (John Wells), levam-nos ao cinema para assistir ao drama de uma família de mulheres marcadas pela infelicidade que passa de mãe para filha. Tentamos entender a relação complicada entre a mãe (Meryl Streep) e as filhas.
Os filmes Álbum de Família, Blue Jasmine e Ninfomaníaca são sobre elas, as mulheres.
A personagem de Meryl Streep no filme Álbum de Família é viciada em pílulas. Dona de um humor sinistro, impiedosamente, usa a língua para ferir o outro – teria sido esta uma forma de se vingar do câncer na boca?
A língua de Violet (Streep), que fere com muita crueldade, também foi ferida. É uma língua maligna. Talvez ela carregue a língua ferina da mãe. A palavra na sua língua também machuca. Como uma navalha afiada faz sangrar o que há de pior no outro. Palavra que abre feridas que não se cicatrizam porque a língua que fere persiste como um tumor maligno. Não há palavra de amor que resista ao desamor que passa pela língua da mãe para a língua das filhas.
Foi assim com Violet e a irmã. Ambas se tornaram herdeiras da língua que fere. Aprenderam usar a palavra para enfraquecer o outro. E não desistiram de levar a sério o poder da palavra que fere. Não se permitiram abrir-se para uma outra palavra; a palavra de amor que vem do outro. Assim, não se perderam para depois se encontrarem novamente na língua do amor.
A filha mais velha (Julia Roberts) volta à casa de Violet, sua mãe, que a acusa de não ter sido grata ao amor do pai, de quem ela era a filha preferida. Todavia, Violet reconhece na filha a sua força e a presença da filha forte em casa traz certo conforto à mãe.
Por sua vez, a língua da personagem de Julia Roberts não poupa o marido nem a filha. Seria ela, das três filhas de Violet, a herdeira da língua que fere? E talvez por isso temesse o retorno à casa da mãe? Que reencontro ela temia?
Jasmine (Blanchett), desde criança, foi marcada para se destacar. Linda e amada como filha única pela mãe, embora tivesse uma irmã, preparou-se para viver num conto de fadas: uma vida de sonhos a se realizar com muito luxo. Jasmine conseguiu alcançar esse lugar para poucas mulheres e uma posição de destaque na alta sociedade, garantida por um marido milionário.
Mas nem tudo na vida de Jasmine é puro glamour, ainda que ela estivesse no lugar e no papel para os quais se preparou. O que faltaria a Jasmine, embora ela tivesse tudo? O que Jasmine queria mais do seu marido? Ser, entre suas mulheres, a única amada?
Joe (Stacy Martin e Charlotte Gainsbourg), a “ninfomaníaca”, descobre sua vagina quando criança e inventa brincadeiras para se divertir com esta descoberta. O pai escuta do lado de fora a diversão da filha e de uma amiguinha no banheiro. A mãe não presta atenção. Distante e indiferente, nada dizia à filha sobre sua beleza, sua esperteza, sua inteligência; muito menos sobre seu corpinho de menina. A filha é marcada pela palavra do pai, que é um homem da ciência – um médico que a leva para passear e aproxima a filha da natureza e seus mistérios.
Joe cresce e decide se livrar da virgindade e passa a viver sua sexualidade como uma brincadeira. Não quer saber do amor. Quando sua amiga lhe diz que “o amor é o ingrediente secreto do sexo”, Joe estranha esta fala e prossegue sem o amor.
A Joe o amor não interessa. O seu corpo e o sexo sem amor interessam-lhe. Preencher todos os seus buracos interessa-lhe, como bem disse Eliane Brum. O destino de Joe? Não sabemos, mas o filme (1ª parte) inicia-se com um corpo de mulher no chão; abandonado. Um corpo de uma mulher adulta que pode não ter sido marcado pela delicadeza dos dizeres do amor.
Curiosamente, o título do filme foi escrito com um “o” aberto. Sugere, como foi dito em muitos comentários sobre o filme, o órgão feminino, mas também, um parêntese – o título pode ser uma legenda para a palavra ninfomaníaca; uma legenda para a etiqueta posta sobre a personagem. Entretanto, nesta etiqueta fez-se um parêntese que deixa aberto o que não se pode definir totalmente. A palavra ninf()maníaca, com parênteses dentro dela, não diz tudo.
Nas histórias contadas nos três filmes, ainda que algumas personagens não encontrem outras saídas, a feminilidade está para cada uma como algo a ser (re)inventado com criatividade, a partir das marcas de feminilidade da mãe, da irmã mais velha, da irmã mais bonita e sortuda, pois a criatividade vai além das etiquetas, como ensinam a psicanálise, a literatura e a arte. A criatividade é a fresta silenciosa que abre múltiplos caminhos.
A premiada atriz Cate Blanchett acertou: adoramos filmes sobre mulheres.
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Publicado no Amálgama
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