domingo, 20 de maio de 2012

Mentiras & Verdades

Estes foram os temas principais do debate com Ana Maria Machado e Edney Silvestre, com mediação de Leo Cunha, no Café Literário realizado ontem na Bienal do Livro no Expominas - Belo Horizonte. Que mentiras interessam na criação de um romance? Ana Maria Machado disse que as mentiras que ela inventa para escrever nascem da memória, da imaginação e as que não vêm da memória podem ser objeto de pesquisa -"a pesquisa serve para mentir melhor" - e citou a obra Invenção e memória de Lygia Fagundes Telles. Indagados sobre a escolha dos nomes dos personagens de seus romances, Ana Maria Machado disse que a questão dos nomes é importante, porém, a escolha não é consciente. Edney Silvestre contou que havia um personagem que ele tinha "dado" um nome para ele, mas o personagem "se" escrevia com outro nome e insistia no "seu" nome. Sempre que ele escrevia o nome do personagem, ele pensava no nome que ele queria dar ao personagem, mas escrevia o nome que o personagem queria, e não o que ele havia pensado em lhe dar. Então, ele acabou cedendo à vontade do personagem, aceitando o nome que o próprio personagem se deu. Sobre a criação do romance, Edney Silvestre disse que em um de seus romances, ele tinha a história, mas não tinha ainda "a voz". E enquanto estava escrevendo o romance, ele o guardou - não o mostrou a ninguém. Revelou que quando está escrevendo, não mostra nada a ninguém. O romance fica guardado. É uma pausa, segundo ele, para reescrever. Ana Maria Machado comentou que o romancista não tem a obrigação de escrever e fechar a “matéria” - como tem, por exemplo, o jornalista - porque não há horário a cumprir. Assim, ele pode deixar o romance descansar. Quando ela começou a escrever, na época dela, não havia a facilidade que hoje há com os blogs, que proporcionam contato com os leitores - ela guardou durante nove anos seus textos. Ana Maria Machado ressaltou que o livro só começa a existir quando há “a voz” ou o esqueleto único (estrutura) para se contar a história. Isso tem a ver com a estrutura da narrativa – mais do ângulo da linguagem, explicou. Deu exemplos: a história será contada na primeira pessoa ou na terceira pessoa? Como a narrativa será arrumada? Disse que há romances que ela escreveu seguindo uma estrutura espiralada – havia um núcleo e a narrativa foi-se alargando, indo além desse núcleo; em outros, a estrutura foi pendular – a narrativa ia de um núcleo a outro. Quanto à história, Edney Silvestre disse que quando escreve um romance, ele tem a trama, mas não tem a história. E que esta vai sendo escrita pelas personagens que vão vivendo as coisas no momento mesmo em que estão vivendo, e assim vão escrevendo sua história. Ana Maria Machado destacou que as personagens têm vida própria. Um protagonista pode deixar de sê-lo, se outro personagem roubar-lhe o lugar. ***O Café Literário tem curadoria de Afonso Borges – do projeto Sempre um Papo.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Bienal do Livro em BH

Começou hoje, no Expominas, a 3ª edição da Bienal do Livro de Minas que tem como homenageados: Bartolomeu Campos de Queirós e Carlos Drummond de Andrade. Em homenagem a Bartolomeu C. de Queirós, a Bibiloteca Mirim Bartolomeu Campos de Queirós, onde se encontram "centenas de títulos para leitores visitantes". E o escritor também será homenageado em sessão no Café Literário que tem como curador, Afonso Borges, do projeto Sempre um Papo. Já o "aniversário de 110 anos de Carlos Drummond de Andrade será tema de homenagens pela Bienal. A Praça de Poesia Carlos Drummond de Andrade será palco para recitais diários e contará com a leitura de escritores e apaixonados de sua obra". "A organização desta Bienal aposta no público infanto-juvenil - para que a Bienal possa ser uma porta de entrada para a leitura". ***(Fonte: site da Bienal.) *** São convidados do Café Literário, entre outros: Ana Maria Machado e Edney Silvestre no papo "Romance: Criação, Verdade e Mentira"; Carpinejar e Roberto Pompeu de Toledo no papo "Poesia não é um detalhe, mas o detalhe"; Zuenir Ventura e Mary del Priore no papo "Reportagem e Memória"; Eliane Brum e Juan Pablo Villalobos no papo "Reportagem e Ficção; Fabrício Corsaletti e Humberto Werneck no papo "Contos e Crônicas". Programação do Café Literário: aqui.

sábado, 5 de maio de 2012

STJ e dano moral por abandono paterno

No comentário que eu fiz no Facebook sobre esta decisão do STJ (ministra relatora Nancy Andrighi) que condenou o pai a indenizar a filha em R$ 200 mil por danos morais decorrentes de abandono paterno, disse que o primeiro a defender isso foi o Rodrigo da Cunha Pereira - presidente do IBDFAM e advogado em Minas, em uma ação que chegou ao STJ, mas a turma que julgou o recurso, na ocasião, negou o direito a indenização por dano moral ao filho. Na decisão desta semana, outra turma do STJ, partilhando outro entendimento sobre a mesma matéria, deu provimento ao recurso, reconhecendo o direito de indenização por dano moral à filha por ter sido abandonada pelo pai (em uma ação proposta em São Paulo).

Pelo que venho percebendo nas conversas, há um estranhamento em relação a esta decisão baseada no significado da palavra afeto - o que é afeto? Afeto é dar carinho? Afeto é ter sentimento? É gostar? É ter amor para dar e querer dá-lo? Mas e se o pai não quiser dar amor, talvez por não tê-lo, ele terá que indenizar o filho por não ter o amor que o filho quer receber dele? E se ele for processado, então ele paga o valor da condenação e fica tudo resolvido? Ele não deu amor nem vai dar, paga a indenização, e tudo certo? Isso significa cobrar afeto, em dinheiro? E que valor (monetário) teria então o afeto?

Não são perguntas descabidas. Mas penso que temos que contextualizar esta decisão do STJ em uma sociedade (como a nossa) fortemente marcada pela queda da função paterna. E penso que a definição de afeto encontra-se atrelada ao exercício da função paterna. Vai além do sentimento. Além do amor. Implica uma função: ser pai. Pai que cumpre a função paterna. Pai capaz de afetar o filho com o seu afeto. Afetar o filho na construção da sua subjetividade. O pai tem um papel fundamental e estruturante na subjetividade do filho. Ele, em tese, que instaura a Lei simbólica (Lacan). Ele é o terceiro interventor na relação mãe-e-filho. Por isso, a sua lei tem o seu nome - o Nome do Pai (Lacan). E é esta interdição que possibilita a separação do filho do desejo da mãe e o introduz na ordem do desejo "que vem da falta". Possibilita que o filho se torne sujeito desejante; torne-se capaz de ser ele mesmo seguindo o seu desejo, e não o desejo da mãe.

O afeto, segundo o advogado Rodrigo da Cunha Pereira*, tem valor jurídico e "sua negação deve ser punida" porque há uma perda enorme para a sociedade quando a função paterna está em baixa, ou seja, quando o pai não está cumprindo sua função - quando o pai não quer ser o Pai; quando o pai deixa de afetar o filho na sua subjetividade. Nesse sentido, devemos entender o afeto do pai: capaz de afetar. É mais que sentimento. Muito mais que dar carinho. E só o dinheiro da pensão alimentícia não basta porque não supre esta ausência.

Quanto ao valor da indenização, esta é uma questão do próprio dano moral. Não há como medir a dor de cada um. A dor é uma das experiências mais privadas do ser humano - remete à singularidade. A indenização por dano moral ainda que tenha essa complexidade no sentido de dar um valor à dor, ao sofrimento, possui uma função pedagógica importante. Serve para responsabilizar.

O filme O garoto da bicicleta ilustra bem a falta da função paterna. Conta a história de Cyril, um garoto de 12 anos, à procura do pai que não quer saber dele. Trailer: aqui.


*(Sobre afeto=valor jurídico. Fonte: Caderno Gerais - p. 21 - Estado de Minas de 4/5/12)